Dica de Filme

Indomável Sonhadora
2012
Direção: Benh Zeitlin


O cinema pode ser injusto inúmeras vezes. Assim como no futebol, nem sempre o melhor ganha a partida. O filme "Indomável Sonhadora" é bom exemplo disso. Concorrendo ao Oscar 2013 com filmes burocráticos ("Lincoln" e "A Hora Mais Escura") ou simplesmente ruins ("Argo"), foi praticamente ignorado, levando este último o prêmio de melhor filme do ano, num claro ato político (a estatueta foi dada a Ben Afreck, diretor de "Argo", pelas mãos da primeira-dama norte-americana Michele Obama). São coisas chatas de se constatar, mas que, porém, tornam filmes realmente bons como "Indomável Sonhadora" ainda mais especiais.

Hushpuppy é uma menina muito esperta, criativa e inteligente, mas que vive com bastante dificuldade com seu pai (que sofre de uma doença terminal), numa região que pode muito bem ser comparada com nossas favelas. Não por acaso, o lugar é chamado de Banheira. Acontece que uma forte tempestade arrasa com o local, e eles, mais alguns moradores remanescentes do lugar, vagam sem destino, tentando reconstruir suas vidas. Paralelo a isso, um programa do governo tenta ajudá-los, porém, a ajuda parece mais uma detenção do que um auxílio.



A estória do longa é muito bem contada, com o encanto necessário. Ter a visão de uma criança num mundo hostil não é necessariamente novo, mas aqui o viés adotado é de fato interessante. Suas ideias e atitudes, são muito bem boladas, sem deixar de lado a inevitável inocência de uma criança. A figura do pai também é retratada de forma bem inusitada. Muitas vezes, rude com Hushpuppy, nós aprendemos a admirar seu amor por ela, pois essa dureza, na verdade, é para fazê-la forte num mundo nem um pouco amigável.

O filme ainda se dá ao luxo de ter vários elementos fantásticos; afinal, estamos falando da visão de mundo de uma criança. Óbvio que produções como "Amelie Poullan" vêm à mente, mas, "Indomável Sonhadora" não é cópia de nada; consegue contar de uma forma original uma história que, por si, já é criativa. Melhor de tudo é que o filme foge dos clichês, e ainda tem um quê politicamente incorreto. Uma boa amostra desses elementos fabulosos trata de criaturas pré-históricas, que se descongelam de uma geleira e vão ao encontro de Hushpuppy, e quando a encontram, curvam-se, em reverência. Claro que se trata de uma metáfora aos medos e ao amadurecimento da personagem, mas as cenas, com bons efeitos especiais, são fascinantes. Efeitos esses muito bons para uma modesta produção como esta.


Mas nada disso talvez surtisse efeito se as atuações não compensassem, e aqui não há do que reclamar. Dwight Henry, que faz o pai, é convincente em seu papel, fazendo com que o espectador tenha real afeto pela sua luta de criar a filha em meio a tantas dificuldades. Mas, é Quvenzhané Wallis, como a "indomável sonhadora", quem proporciona um verdadeiro espetáculo. Ora engraçada, ora trite, ora pensativa, ela mostra uma segurança que muitas atrizes veteranas não possuem. A cena em que ela se encontra no leito do pai, já no final, é fantástica, digna de nota.

O ritmo do longa é ágil, sem ser superficial, e o roteiro ainda encontra espaço para alfinetar uma sociedade presa em suas riquezas e mordomias, deixando de lado uma vida mais simples e alegre. A própria Hushpuppy resume bem: "Fora daqui, as pessoas têm férias um vez por ano. Aqui, temos quase todos os dias".


"Indomável Sonhadora" está, desde já, entre os melhores filmes do últimos anos, ao lado de "Holly Motors", "A Árvore da Vida" e "Amor". Uma produção que quase foi esquecida devido a interesses mercadológicos do cinemão hollywoodiano. Porém, que conseguiu sobreviver a tudo isso. Simples, ingênuo e arrebatador. Um filme inesquecível.




NOTA: 10/10

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