Dica de Filme
Clube da Luta
1999
Direção: David Fincher
NOTA: 10/10
Clube da Luta
1999
Direção: David Fincher
Na década de 70, Hollywood vivia o seu último ápice de criatividade. Novos diretores, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Steven Síelberg fizeram ótimos trabalhos nesse período, bastante provocativos, mas que hoje seriam improváveis de serem realizados. Primeiro, porque está na moda o politicamente correto, e produções mais sombrias e violentas estão relegadas aos filmes de terror, que mais parecem paródias. E, também porque da década de 80 pra cá, o que importa pra Hollywood são os blockbusters, aquelas produções tipicamente para adolescentes (ou "crianças crescidas"), onde não se exija muito um maior nível de complexidade.
Porém, o ano de 1999 foi um achado, quase um milagre. Durante esses 365 dias, o cinema norte-americano produziu coisas maravilhosas, como "Beleza Americana", "O Mundo de Andy" e "O Sexto Sentido". O auge dessa inusitada safra foi o polêmico (e fantástico) "Clube da Luta". Antes de mais nada, é preciso que se saiba que David Fincher é um diretor que (quase) sempre filma o que quer, mesmo que a estória não seja bem digerida tanto por público, quanto por crítica.
O cineasta já havia impressionado meio mundo com o final corajoso (e nada feliz) do thriller "Seven", quatro anos antes. Com "Clube da Luta", a catarse foi além. É bom lembrar que, à época de seu lançamento, o filme tanto foi endeusado quanto massacrado. Um jornalista mais exaltado bradou: "Este não é um filme anti-capitalista ou anti-consumista; é um filme anti-Deus!" No Brasil, a coisa se agravou quando um jovem estudante de medicina metralhou pessoas num cinema, supostamente influenciado por uma cena do longa. Foi o suficiente para ele ser relegado como uma "produção maldita".
Passados 15 anos, no entanto, nota-se simplesmente, o quanto o filme é espetacular. E ainda retoma aquela boa provocação, uma acidez que estava em falta no cinema hollywoodiano. O Filme é baseado num romance de Chuck Palahniuk, lançado em 1996. David Fincher, como já dito, um diretor sem concessões, pegou um material e fez uma perfeita materialização do vazio e da inércia dos nossos dias, onde os verbos "comprar" e "ter" são os mais utilizados.
O narrador da estória, Jack (mas, cujo nome não é pronunciado durante todo o tempo da projeção) segue à risca o estilo de vida médio norte-americano. Tem um bom emprego e consome tudo que quer. Mas, está com depressão e insônia, e não sabe porquê. Então, decide frequentar grupos de auto-ajuda, principalmente os de doentes terminais. Só no meio dos moribundos e dos desesperados é que ele consegue se sentir vivo e dormir um pouco. Porém, aparece uma outra frequentadora desses grupos, Marla Singer, que inquieta Jack. Ele sabe que ela, tanto quanto ele, está fingindo. A farsa dela é a farsa dele.
Mas, a situação desse improvável protagonista se agrava quando conhece Tyler Durden. Quanto seu apartamento explode em circunstâncias misteriosas, Jack vai morar com Durden numa mansão caindo aos pedaços, e, no meio de uma bebedeira, resolvem brigar, para "se conhecerem melhor". Todas as noites fazem isso, como uma espécie de "terapia". E, todas as noites essa prática toma mais e mais adeptos. Com o passar do tempo, o Clube da Luta é criado, e Durden mostra suas verdadeiras (e provocativas) intenções.
O longa não atenua nada. Situações fortes e violentas (mas, nunca gratuitas) são colocadas na tela, e o espectador tende ao desequilíbrio de suas ideias. Isso porque, mesmo com métodos um tanto duvidosos, Durden não deixa de ter razão quando questiona a sociedade o tempo todo. Não à toa, a metalinguagem é usada direto aqui, com os personagens falando diretamente para a câmara, ou seja, para quem está assistindo. Trata-se de um recado, da nossa (muitas vezes) miserável vida, queiramos, ou não.
Tecnicamente, o filme é fantástico, com closes, cortes, nuances e efeitos que comprovam o quanto Fincher é um diretor inventivo. Nas atuações, Edward Norton e Brad Pitt estão não menos que extraordinários. A química entre eles é bastante espontânea, e vai além de mostrar a diferença de personalidade entre dos dois. Na realidade, com o passar do tempo, mostram-se não tão divergentes assim. E, a trilha sonora, além dos próprios efeitos sonoros como um todo, acabam sendo quase personagens à parte, de tão importantes que se mostram para o andamento das cenas.
Não diria que "Clube da Luta" seja um filme fácil ou difícil. Creio que ele esteja além disso. É uma inquietante (porém, perceptível) instigação rumo à reflexão do que somos e do que podemos ser (caso quisermos). Nesse sentido, no referido clube, a questão não é simplesmente bater, mas apanhar, baixar a guarda, deixar-se livre, sem amarras. Um estímulo às ideias, onde Durden, em determinado momento, diz que "nós não somos os nossos empregos, nem a marca das nossas roupas, nem o que temos no banco".
Que outro filme holywoodiano hoje em dia teria tamanha ousadia?
NOTA: 10/10
Filme indispensável e absolutamente inspirador.
ResponderExcluirO texto aqui postado é muito bom, mas tudo diante do filme parece-me pouco; não fui atrás de trabalhos sobre ele, mas ele "pede" desde interpretações psicanalíticas até aproximações com o pensamento anarquista, quiçá um paralelo com "V de Vingança". Em suma, ainda precisamos desvendar muitas camadas da obra.
Ps. senti falta de uma coisa (que me passou despercebida nas primeiras vezes que assisti ao filme); trata-se duma menção às aparições relâmpago de Tyler; assim como em certa parte do filme mostra-se Tyler inserindo a imagem de um pênis num desenho animado no cinema (imagem que aparece apenas numa fração de segundos), no próprio filme "Clube da luta", aparecem imagens de Brad Pitt antes do personagem Tyler ser apresentado (por ex. na cena da esteira de bagagem no aeroporto). É necessária grande atenção para percebê-lo. E na cena final, onde o prédio desabada, a imagem do pênis aparece (mas isso foi retirado das exibições na tv).
Essas aparições relâmpago, além de propositais, vejo como uma metáfora de que, muitas vezes, a realidade está diante de nossos olhos, sem que a percebamos.
ExcluirUm dos grandes do cinema norte-americano recente, sem dúvida.