Dica de Filme

Sinédoque, Nova Iorque
2008
Direção: Charlie Kaufman


Difícil falar deste filme. Não porque ele seja de uma complicada compreensão. Antes fosse. É que o que ele nos passa é, de tal forma, tão poderoso, que esmiuçá-lo em palavras não é tarefa simples. Para coisas como ele e "A Árvore da Vida" (só para citar outro exemplo bem próximo) não se pode ser leviano nas palavras. Mas, também pouco deve ser dito. É o tipo de experiência íntima e pessoal que cada um precisa ter. Uns, acharão chato; outros, brilhante. A mim, disse muito.

Se é para ter uma "sinopse oficial", diria que a produção conta a triste trajetória de Caten Cotard, que, cada vez mais desiludido com a vida, entra em sérias crises, repetidas vezes, ao longo de anos. Nesse meio tempo, tenta fazer uma peça de teatro, que nem ele mesmo sabe do que se trata, ao certo. Pode ser sobre a vida, sobre a morte, sobre as mazelas humanas, sobre as felicidades passageiras. E, pode ser, simplesmente, uma auto-biografia; uma que seja universal. Cate somos nós e nós somos Cate.




Desnecessário continuar falando da "estória", pois seria ilógica tentar explicar algo que, praticamente, não tem lógica. A cronologia é confusa. O que durou anos talvez tenha durado dias, minutos, segundos. A metalinguagem e o nonsense reinam. É quase um filme lynchiano mais contido. Esperem ficção dentro da realidade, e realidade dentro da ficção (não, necessariamente, nessa ordem). Morar numa casa em chamas pode ser tão comum quanto tomar um café.

São, em geral, pequenas narrativas, pequenos detalhes, pequenos personagens que vão se alinhando em torno de Cale. O que esperar da vida? Da velhice? Dos amigos? Dos familiares? Das (inevitáveis) doenças da alma e do corpo? O tempo passa e Cale se sente morrendo, dolorosamente, aos poucos. Ou já estaria ele morto? O roteiro, extremamente simbólico, ora sutil, ora escancarado, vai envolvendo o espectador nessa espiral de dúvidas e bastante melancolia.




Lembremos que esta é a estreia na direção de Charlie Kaufman, o mesmo roteirista que nos deixou atordoados com "Quero Ser John Malkovich", "Adaptação" e "Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças". Só que no comando da câmera, Kaufman também demonstra um perceptível talento. Conduz uma estória densa, complicada (narrativamente falando), mas, filmando as cenas certas nos momentos certos. Não há o que tirar nas suas duas horas de duração.

Nesse contexto, em que a condução da trama se dá de maneira (literalmente) teatral, o que falar dos atores? Todos ótimos, o que era de se imaginar. De Katherine Keener a Samantha Morton, todos estão exemplares. Mas, claro que o destaque tinha que ser do saudoso Philip Seymour Hoffman. Ele faz de Cale um ser muito humano, repleto de falhas, mas, com algumas qualidades, numa caracterização de tirar o chapéu. Um ator que continua fazendo falta.




O filme, em si, é desafio. Tem hora que se mostra cínico, mas, em outros momentos, vemos certa ingenuidade nas entrelinhas. É algo sensorial, de mergulho profundo em nossos demônios. Entre descobertas e mais dúvidas ainda, "Sinédoque, Nova Iorque" nos convida a caminharmos, enquanto entendemos nosso lugar no mundo. Uma tremenda reflexão em tempos tão frios e calculistas quanto esses. Não à toa, é uma produção (ainda) pouco conhecida. Aqui, não há lugar para escapismos.


Nota: 10/10

Comentários