Dica de Filme

Ave, César
2016
Direção: Joel e Ethan Coen


Quanto mais o tempo passa, mais fica a impressão de que o cinema norte-americano perdeu a capacidade de fazer boas comédias. Reparem: 95% das que surgem, anualmente, são tão apelativas, que constrangem mais do que fazem rir. Geralmente, são produções com piadas de mau gosto, palavrões e todo o tipo de escatologia. Fica cada vez mais difícil encontrar um roteiro inteligente, que saia do lugar comum, e, ao mesmo tempo, seja realmente engraçado, como uma comédia tem que ser. "Ave, César", mais recente filme dos irmãos Coen, é essa exceção, a chamada gota no oceano.

E, percebam que, pra isso, nem precisaram muito. A história, em si, aparenta não ter grandes atrativos ou mesmo novidades. Estamos na Hollywood dos anos 50, e nela, conhecemos Edward Mannix, que tem um serviço um tanto inusitado na Capitol Pictures, estúdio do qual trabalha: proteger suas estrela de cinema de grandes escândalos e polêmicas. Eis que o astro Baird Whitlock, que está filmando uma das mais ambiciosa produções do estúdio ("Ave, César"), é sequestrado por (acreditem!) comunistas, fazendo com que Mannix passe um verdadeiro dia de cão para tentar encontrar Whitlock, e salvar a todos de um escândalo de grandes proporções.




São as situações geradas a partir desse roteiro meio nonsense que residem os grandes momentos de "Ave, César". Por exemplo: as interações de Whitlock com os seus sequestradores são hilárias, fazendo delas as melhores partes do longa. Ajuda muito George Clooney, que interpreta o ator sequestrado, estar aqui com um feeling cômico perfeito, arrancando boas risadas só com suas caras e bocas. Outros momentos de destaque envolvem o ator canastrão Hobbie Doyle. Sua tentativa de interpretação no filme do perfeccionista diretor Laurence Laurentz é de dar altas gargalhadas. E, mais uma vez, ponto pros atores Alden Ehrenreich e Ralph Fiennes, ótimos em seus personagens.

Mas, o filme tem mesmo como personagem principal Edward Mannix (interpretado de forma convincente por Josh Brolin), e suas tentativas de tentar domar o ego de grandes estrelas de cinema e, ao mesmo tempo, abafar todo e qualquer caso que possa gerar polêmica para o seu estúdio. Num dos arcos da história, só pra exemplificar, ele tenta de todas as formas esconder a gravidez da atriz DeeAnna Moran, já que ela é solteira. A forma encontrada para esconder esse fato é absurda, mas, não tão distante assim da realidade, o que também mostra a preocupação dos Coen em escreverem bem as críticas que querem passar em seus sub-textos.




E, claro, para uma produção com esses temas, "Ave, César" presta ótimas homenagens ao cinema, em especial, à era de ouro dos musicais, Um deles, em particular, é de cair o queixo: música, coreografia, jogo de câmeras, tudo sincronizado para proporcionar uma sequência fascinante para os amantes da sétima arte. Sem contar que os diálogos afiados (característica sempre marcante nos trabalhos dos irmãos Coen) estão lá, ora proporcionando uma cena meramente (mas, muito) engraçada, ora fazendo críticas bem sarcásticas ao cinema em si, à política, à religião, e também à mídia. Num determinado momento Mannix diz a uma repórter sensacionalista: "O público não quer a verdade; quer a sensação de saber a verdade, e só."

No entanto, mesmo com tão boas qualidades, o filme perde fôlego no seu ato final, quando deixa a comédia um pouco de lado, para apostar em algo mais intimista, mais precisamente às inquietações de Mannix do que as desventuras de Whitlock, o que torna a narrativa um pouco arrastada. Não compromete pelo todo, mas, se mantivesse o mesmo ritmo, teríamos uma das melhores comédias dos últimos tempos, e um dos melhores trabalhos dos Coen. Infelizmente, não é essa a sensação que temos ao término da produção.




Mesmo assim, "Ave, César" é um filme bastante competente, divertido, espirituoso, e (melhor de tudo) é uma comédia engraçada de verdade, sem apelações ou baixarias. E, ainda nos brinda com um texto inteligente, que questiona assuntos abordados até hoje, não polpando críticas a diversos setores do cinema. Num tempo em que os filmes hollywoodianos estão tão fracos, assistir à mais nova empreitada dos irmãos Coen pode não ser a melhor coisa dos últimos tempos, mas, ainda consegue ser um bálsamo, um alívio em meio a tanta mediocridade.


NOTA: 8/10

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