Dica de Filme
Retratos de uma Obsessão
2002
Direção: Mark Romanek
Retratos de uma Obsessão
2002
Direção: Mark Romanek
A SOLIDÃO NOSSA DE CADA DIA
Já disse o saudoso Zygmunt Bauman que vivemos em "tempos líquidos", onde as relações humanas estão cada vez mais enfraquecidas. Dentro desse contexto, a solidão é um mal que pode atingir a todos, até aqueles que, teoricamente, estão cercados de pessoas. A falta de relacionamentos sociais padronizados cria, assim, uma espécie de sentimento de culpa por se estar sozinho. Acaba por se tornar uma verdadeira paranoia de que é preciso se casar e ter filhos, formando uma família, digamos, "tradicional". O aparentemente pacato Seymour, protagonista de "Retratos de uma Obsessão", é assim. Trabalha na loja de um shopping revelando fotos há 11 anos. Só que quem identifica uma profunda tristeza nele é o garoto Jakob, cuja família é cliente de Seymour há bastante tempo.
O filme é pontuado, vez ou outra, pelas falas de Seymour, e sua compreensão mais profunda sobre a fotografia. Simbolismos e metáforas se misturam à suas ideias, dando uma concepção interessante sobre o tema, como a questão do tempo e o apreço que temos às lembranças. Só que, no caso dele, suas únicas lembranças recentes se resumem a colecionar em seu quarto cópias dos retratos da família do menino Jakob. Diante de sua solidão crônica, Seymour se vê, em muitos momentos, sendo o tio do garoto, participando de festas de sua família e por aí vai. Chega ao ponto dele dar, de graça, uma das câmeras fotográficas a Jakob como lembrança de aniversário.
Com o passar do tempo, a necessidade de companhia dele vai crescendo, passando da mera solidão para uma séria psicopatia. Ele passa a acreditar, de alguma forma, que ele é responsável por aquela família, e que, se algo estiver errado nela, ele precisa intervir. Essa obsessão chega a tal ponto que, descobrindo um segredo que envolve os pais de Jakob, ele arma uma situação e vislumbra ao longe, na rua, escondido, o que irá acontecer depois. Em outra situação ele descobre qual o livro que a mãe de Jakob está lendo, para forjar um encontro casual com ela, e fingir que está lendo o mesmo livro. No entanto, tantas frustrações acabam por deixar Seymour cada vez mais dependente da necessidade de "adotar" essa família, nem que, pra isso, utilize dos piores métodos.
Engana-se, porém, quem pensa que estamos diante de mais um daqueles suspenses rasos, prontos e embalados para serem exibidos nas sessões noturnas da TV aberta. Já começa pelo fato de que tudo é mostrado de forma lenta e gradual. Até mesmo o clímax não é tão movimentado como na maioria desse tipo de filme, com um desenrolar da história que acaba sendo mais incômodo do que frenético, no final das contas. E, bota incômodo nisso. Com a mente de Seymour mais perturbada a cada instante, suas ações ficam imprevisíveis, o que mantém nossa atenção (e, nossa apreensão) até o último momento. Mesmo assim, o filme, habilmente, não se presta a um mero jogo "mocinho x bandido", visto que o protagonista é apenas uma pessoa doente, enquanto o restante dos personagens não são o exemplo de perfeição que parecem ser.
E, se a direção serena de Mark Romanek (que fez diversos videoclipes, entre eles, "Hurt", do Johnny Cash) acerta em não ser trivial e clichê na condução da trama, o roteiro, também de Romanek, não fica atrás, explorando muito bem o lado psicológico de seu protagonista, que não é retratado como um vilão, e sim, como alguém extremamente triste, digno de piedade. Os outros personagens também são bem caracterizados, em especial, os pais de Jakob, que não se comportam diante de certas situações da maneira que estamos acostumados, o que pode nos causar estranheza, mas, também foca num ponto importante: às vezes, aquela família estruturada, que aparenta ser feliz, pode ser apenas uma fachada para esconder todo tipo de problema. Nesse sentido, a simbologia da foto, que, geralmente, capta os momentos mais alegres de alguém, serve como o mundo ideal, do qual Seymour que viver.
Dentre as inúmeras qualidades do filme, destaca-se a excelente atuação de Robin Williams. Interessante o fato que o ator sempre foi tido mais como um comediante, mas, são nos seus filmes dramáticos que ele mostra seu maior potencial, e como "Retratos de uma Obsessão" não é diferente. Seu jeito tímido, mas, que pode explodir a qualquer momento, garantem de momentos reflexivos a outros completamente tensos e angustiantes. Um trabalho digno de um grande intérprete. O restante do elenco, se não chega à magnitude de Williams, ao menos, não decepciona, marcando presença com atuações consistentes. E, Romanek, como realizador de cinema, prova que pode se igualar a David Fincher na seara dos diretores de videoclipes que conseguiram realizar ótimos e peculiares filmes.
Mesmo que em alguns momentos se assemelhe a um trhiller ou a um suspense, na realidade, "Retratos de uma Obsessão" não esconde mesmo que é um drama. Ao fazer um interessante estudo de personagem, e, nas entrelinhas, abordar temas com certa profundidade, como família, solidão e qualquer forma de relacionamento, o filme consegue, inteligentemente, entreter, ao mesmo tempo que passa valorosas mensagens. Quando acabamos de assistí-lo, continuamos não vendo Seymour como um vilão, e sim, com alguém que apenas precisava das coisas mais simples para se sentir feliz. Voltando a Bauman, nesses "tempos líquidos", talvez o que resta, pra alguns,seja só o desespero da solidão, unido à esperança de que, um dia, possa não se sentir mais sozinho.
NOTA: 9/10
Comentários
Postar um comentário