dica de filme ("Alguns Dias na Vida de Oblomov")

Dica de Filme

Alguns Dias na Vida de Oblomov
1979
Direção: Nikita Mikhalkov


Adaptação de clássico da literatura russa é um apaixonante retrato da vida de um homem com uma extrema consciência

A consciência é uma maldição. Na melhor da hipóteses é um fardo usado para se acomodar. Por vezes, uma cruz carregada com bastante dor e sofrimento. Saber realmente quem você é, quem os outros são, e o que os outros esperam de você é demasiadamente pesado. E, Ilya Ilyich Oblomov sabe disso. Herdeiro de uma considerável fortuna, passa dias e dias deitado em seu sofá, enquanto pensa na vida. Às vezes, nem se dá ao trabalho de pensar nisso. Demanda muito trabalho, muito esforço. E, pra quê? Pra se inserir numa sociedade que ele tem plena consciência de ser abjeta, doente, sem escrúpulos. Por quê não continuar dormindo, alheio ao que se passa "lá fora"?




Engana-se redondamente, no entanto, quem se precipite e taxe Oblomov de preguiçoso. Não. No início desta adaptação para cinema, podemos ter até essa impressão, devido ao tom dantesco, hilário e meio jocoso com que o personagem é mostrado. 

Logo nos primeiros minutos somos até meio que "enganados" pela presença de um protagonista um tanto bonachão, e ao mesmo tempo, desanimado para fazer qualquer atividade que seja (até se levantar da cama para comer). Quem o encoraja um pouco é o seu criado, o fiel Zahar, que "veio junto" com a sua herança.

Os dias passam, porém, e Oblomov recebe a visita de uma velho amigo, Andrei Ivanovich Stoltz, que é o completo oposto do nosso protagonista. Andrei é um bon vivant, sempre agitado, sempre disposto, que adora frequentar as rodas da alta sociedade em conversas triviais, futeis, banais. Neste momento, Alguns Dias na Vida de Oblomov para a deixar um pouco a comédia de lado, e fica mais soturno, mais triste, mais reflexivo. 

Duas cenas exemplificam bem isso: numa onde Oblomov confessa o real motivo de sua "preguiça" para Andrei, e noutra onde Andrei, bem mais jovem, vai embora de casa para "ganhar a vida". Duas cenas fascinantes, e que expõem muito bem a moral da obra: diante de uma sociedade hipócrita, onde o sucesso individual é mais importante do que a felicidade do ser humano, de que adiante a alegria e a vivacidade?




É verdade que o filme perde um pouco o ritmo quando Oblomov e Andrei se juntam a Olga, cada um com uma personalidade diferente, convivendo num misto de paixões e culpas. Mas, o ritmo mais sereno é proposital, pois, é nesse momento que Oblomov vislumbra um por de "equilíbrio", um pouco de "normalidade" em sua vida, a partir do momento em que se apaixona por Olga, e esta por ele. 

No entanto, ele é um dos poucos na história que tem consciência da própria pequenez, e o único que levar os seus princípios até o fim. Uma das últimas cenas, quando ele se recusa a andar de bicicleta com Andrei e Olga simboliza bem isso.

O filme, como adaptação literária (a obra original foi escrita por Ivan Goncharov, e publicada em 1859) é um primor, transpondo para a tela uma Rússia ora campestre, ora urbana, mas, sempre com uma visão crítica em relação à sociedade que vemos na tela. 

No começo, até estranhamos o comportamento do protagonista, mas, com o passar do tempo, passamos a entendê-lo e a ter ojeriza por quem o cerca, entendo, assim, que Oblomov é a criatura mais sincera da história, e, por isso, mais suscetível a ser uma figura trágica em meio à podridão que o critica.

Uma mensagem forte, mas, que, na produção é passada com maestria, ainda mais pelas excelentes atuações e pelo esmero do cineasta Nikita Mikhalkov, provavelmente, em seu melhor momento no cinema.




Alguns Dias na Vida de Oblomov é lírico, engraçado, doce e triste. Um amálgama de sensações que nos faz refletir bem sobre as escolhas que fazemos, e se elas estão ou não, atreladas ao nosso gosto, ou ao gosto dos outros. Muito mais do que apenas retratar um personagem peculiar, a história possui um grande poder simbólico, cuja metáfora da preguiça é reformulada para representar tão somente o enfado, o cansaço diante da mediocridade reinante. 

Diante de um mundo vil e doente, Onlomov, que prefere dormir a socializar com essa gente, é, sem dúvida, o personagem mais sensato que poderíamos conhecer. Seja na Rússia daquela época, seja no Brasil de hoje, seja em qualquer parte do mundo, em qualquer tempo.


NOTA: 9/10


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