dica de disco ("Rainer Fog" - alice in chains)


Dica de Disco

Rainer Fog
2018
Artista: Alice in Chains


Exorcizando o que sobrou dos demônios do grunge

O tempo. Esse inexorável elemento natural, que tanto pode fazer muito bem, quanto fazer muito mal às pessoas. No caso de um grupo musical, mo tempo pode ter um papel duplo: instaurar a alcunha de clássico, e fazer os seus membros se acomodarem, ou então o passar dos anos acaba sendo um estímulo a mais para as bandas produzirem sempre mais e melhor. 

No caso do Alice in Chains, um autêntico sobrevivente da cena de Seattle da década de 90, o tempo serviu como uma forma de amadurecimento sonoro, e mesmo que eles não façam nada tão genial como nos tempos de outrora, sua música continua consistente. Poderosa. Arrebatadora.


6º álbum de estúdio (fora dois EP's maravilhosos), 3º com o ótimo vocalista William DuVall (que substituiu o estupendo Layne Staley), Rainier Fog é mais um grande disco lançado pelo Alice, com um som que já lhes é habitual, mas que, mesmo assim, não deixa de empolgar. A começar pela canção de abertura, The One You Know, poderosa, desde a sonoridade forte e encorpada, à letra raivosa (Diga-me, isso importa / Se eu ainda estou aqui ou fui embora? / Mudando para o depois / Um impostor, eu não sou aquele que você conhece). Baita refrão!

A seguir, duas ótimas composições, que evidenciam que a banda continua num nível acima da média: a faixa-título, que se mostra bastante empolgante em seu andamento ora mais acelerado, ora mais cadenciado, e Red Giant, cuja letra também evoca uma espécie de raiva contida (Todos os meus filhos cantam de novo e de novo / Porque uma mentira não é uma mentira se você está ganhando mais / Um homem). Por sinal, o riff dessa última é de um peso absurdo, evidenciando um influência absurda do bom e velho Black Sabbath. Musicaça!



Não à toa, a música seguinte, a semi-acústica Fly, tem um clima mais calmo, cuja letra é bem emblemática nesse sentido (Deite-se com sua paz onde você a encontra / Não vai sair barato / Encha de amor quando estiver com fome, cansado e depois durma / Tenha seus sonhos). O Alice in Chains, sempre conhecido por suas músicas que evocam bastante situações depressivas, estariam encontrando um pouco de "paz"? Certo mesmo é que Fly é um primor. Lindíssima!

Essa percepção de combate à angústia e à depressão neste disco toma ares de cinismo na ótima Drone, cuja letra expõe isso de maneira bem interessante (Entrando e saindo da loucura / Um drone tão dedicado / E embora você me ache bastante trágico Eu vou ficar aqui e alimentar o meu buraco negro de estimação). Seria esse um exorcismo dos demônios internos da banda? Um "dar de ombros" para os outros? Apesar das especulações, instigante!


Deaf Ears Blind Eyes dá andamento ao disco. E, que andamento. Arrastada. Pesada. Tipicamente Alice in Chains. E, com uma letra que, inclusive, pode ser interpretada como um lamento ao que aconteceu com Layne, que, enquanto estava vivo, abominava esse negócio de sucesso a todo custo (Eu possuo tudo / Chora uma alma em chamas). O passado voltando com tudo. Uma música que é quase é luto. Um soco no estômago!

Mais uma música com ares de balada. Maybe não possui a mesma qualidade das canções anteriores, mas, ainda assim, consegue ser muito bem executada. A letra? Uma reflexão bem-vinda sobre aquilo o que você achar que deva ser ela. Depressão, inércia; a escolha é sua (Lembre-se de vir dezembro / Um dia pode durar para sempre / Não há lugar seguro para um pretendente humilde / Eu estou atirando direto para o centro do alvo). Forte!


O peso e a angústia voltam com tudo em So Far Under, cujo instrumental nunca esteve tão bom, bem como a dobradinha de vozes entre William DuVall e Jerry Cantrell. E, e letra, direta como poucas (Eu sobrevivi nos recados que você não queima / Talvez o amor seja algo que eu nunca aprenderei / Esta casa inteira de cartas desmoronando lentamente / Se eu desaparecer, você saberia?). Um necessário expurgo!

O disco se encerra com duas boas composições: a energética Never Fade e a climática All I Am. Ambas com qualidade inferior ao restante do álbum, mas, muito competentes, mesmo assim. E, não à toa, a letra desata última prega o desapego, o recomeço, algo que a própria banda precisou fazer ao longo desses anos (Entenda o preço que você paga para se desarmar / Quando você pode deixar tudo para trás). E, é o fim!

O Alice in Chains, definitivamente, não precisa provar mais nada. Mesmo se se encerrasse as atividades com este disco, já teria um catálogo de respeito em seu nome. Porém, se continuar a carreira, este disco aqui, Rainier Fog, aponta para novos horizontes, agora absolutamente exorcizados, renovados. Não foi fácil. Nunca é. Mas, quando se consegue expôr esse renascimento através de uma trilha sonora desse nível, realmente, é reconfortante. Para eles e para os fãs da banda.

O Alice in Chains está mais vivo do que nunca!


NOTA: 8,5/10

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