DICA DE FILME ("Divines")

Dica de Filme

Divines
2016
Direção: Houda Benyamina


Um impulso juvenil numa insustentável leveza do ser

Assistir cinema-verdade é triste. Duro. Doloroso. Mas, quando bem-feito, além de render aquela típica sensação desconfortável, também podem proporcionar (muitas) reflexões. Um dos mais recentes exemplos desse tipo de cinema foi Cafarnaum, da diretora Nadini Labaki. E, alguns anos antes tivemos este ótimo Divines, que aposta numa narrativa suburbana nas ruas e comunidades mais marginalizadas da França para se focar em duas jovens com muitos sonhos (e poucas perspectivas).




E, como todo bom exemplar do cinema-verdade, Divines é um filme que consegue ser envolvente e dinâmico, mesmo que não seja, necessariamente, muito agradável de assistir em alguns momentos. Ao contrário: há situações ali pesadas e densas, gerando um nível de angústia ainda maior por já antevermos que alguma coisa pode dar muito errado para as protagonistas Dounia e Maimouna (especialmente para a primeira, que é a que mais o roteiro se debruça). 

Dounia, por sinal, é uma personagem muito complexa. Seus ataques de fúria são plenamente justificáveis nas cenas que mostram onde e com quem ele vive, sem jamais soarem forçadas. Não se trata, apesar do que possa parecer, uma justificativa das ações um pouco destrambelhadas da garota. É que, ao mesmo tempo, devido também ao grau de verossimilhança das situações, dá pra entender porque Dounia tem uma personalidade tão forte e arredia, sempre na defensiva. 

Um das coisas mais interessantes é que, na interação com sua melhor amiga, a Maimouna, é que percebemos que estamos diante de adolescentes ainda no início da juventude, e não de mulheres adultas. Muitas das sequência entre ambas estão entre as melhores de Divines, como quando elas sonham em ter um carro de luxo, onde possam aproveitar a vida de todas as maneiras, e a câmera (criativamente) acompanha as personagens como se realmente estivessem dentro de um carro. 




Outro aspecto muito positivo do filme é que ele não se detém somente no protagonismo de Dounia, mesmo que praticamente todos os acontecimentos girem em torno dela. Há espaço também para outros personagens bem interessantes, como a traficante Rebecca e o bailarino Djigui. Porém, muito da perspectiva do que é mostrado aqui é mesmo oriunda de Dounia. Tanto é que, assim como ela, as cenas são energéticas, impulsivas, quase descontroladas. 

Sem juízos de valor baratos, o roteiro não se limita só a mostrar os anseios de uma parcela marginalizada, como também nos faz mergulhar naquela universo de desesperança. Mais do que ver, sentimos um pouco do sofrimento daqueles personagens, algo que se reflete em muitos momentos, desde a revolta de Dounia na aula sobre como ser recepcionista, até os atritos dela com sua mãe. São momentos que passam muita verdade dentro daquele universo. E, por isso mesmo, muito dolorosos. 

E, o filme segue, numa pulsão quase adolescente, inocente e sem nenhum vislumbre do que virá a seguir. Tanto é que a catarse no final é o ápice da produção em todos os sentidos. Misto de desespero e entrega ao destino, esse momento retrata, em pouco minutos, o que o Divines mostrou em toda a sua duração, condensado ali, naqueles minutos decisivos. É quando o fim chega. O que sobra? Uma incontrolável desolação. E, a certeza do quão abandonadas estão muitas pessoas nas mesmas situações, neste momento, ao redor do mundo. 




Como já deu pra notar, direção e roteiro estão em plena harmonia neste filme. Mas, e os outros aspectos? No que diz respeito ao elenco, não há o que reclamar. Todos ótimos em seus papéis, onde a grande interpretação vai mesmo para Oulaya Amamra, que faz uma Dounia impulsiva (e, aparentemente, infantil), mas que guarda muitos sentimentos, e que nunca chegam a aflorar por completo. A atriz sabe trabalhar muito bem essas nuances de uma personagem e tanto. 

Além disso, outros aspectos, como edição e trilha sonora, ajudam na narrativa como um todo, ajudando para que o filme nunca perca ritmo, mesmo nos momentos (aparentemente) calmos. Inclusive, um aspecto interessante do longa é seu elogio à arte, mais especialmente, à dança. Esta, reparem, irá dialogar bastante com a questão dos sentimentos presos de vários personagens, inclusive e principalmente, Dounia.

Há, decerto, um amargor difícil de nos deixar ao terminarmos Divines. É uma sensação necessária. Nem que seja por alguns minutos. E, por mais de uma hora e meia, acompanhamos a jornada de pessoas que simplesmente queriam não estar ali. Que queriam algo melhor. Mas, que não tiveram grandes oportunidades. Retrato duro da realidade que só a arte (nesse caso aqui, o cinema) consegue transmitir. 


NOTA: 8,5/10

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