dica de filme ("Playtime")

Dica de Filme

Playtime
1967
Direção: Jacques Tati


Um olhar crítico e frenético sobre a influência da pós-modernidade nas relações humanas

Uma riqueza de detalhes com momentos pontuais de humor simples e ingênio (e, por isso mesmo, muito divertido). Caso fosse necessário resumir de maneira bem básica Playtime de Jacques Tati em poucas linhas, essa talvez fosse uma boa definição para o filme. Porém, não é o suficiente, ainda mais pelo fato de que a obra resistiu ao tempo, e continua tendo muito a nos dizer. 

Decerto, também poderia ser errôneo afirmar categoricamente que se trata de uma obra à frente do seu tempo (um clichê dos mais comuns). Não. Tati consegue, isso sim, captar de forma ora bastante sutil, ora em momentos de pura energia, o espírito do seu tempo. Ou seja, uma Europa cada vez mais tomada por arranha-céus, trânsito engarrafado e barulho. Tudo isso sublimando paisagens turísticas, e pior: relações humanas, cada vez mais "distantes", mesmo estando tão perto.  




Aqui, acompanhamos as desventuras do já icônico personagem de Tati, o Sr. Hulot nesse mundo repleto de máquinas, paredes e vidros, e protocolos. O bom é que o filme não se concentra única e exclusivamente no personagem, dando espaço para situações hilárias envolvendo outras pessoas. Contudo, leia-se hilárias no sentido um pouco mais contido do que se costuma ver em comédias. Pois, o engraçado aqui não é necessariamente escrachado e sem um propósito crítico. 

O humor aqui é mais físico, porém, para denotar certos absurdos a que nós somos submetidos em meio a toda essa modernidade. Seja o fato da sala de espera de um prédio ser praticamente um grande espaço vazio, onde demora pra você ser atendido, seja numa simples roleta de uma loja de conveniência, onde é preciso, rigorosamente, entrar por um lado, e sair pelo outro. 

Perceba que um dos pontos centrais que Tati quer passar aqui é com respeito à arquitetura moderna das grandes cidades. Todas as portas são feitas de vidro, e muitas das paredes também. Praticamente não há privacidade. Isso é bem perceptível quando o Sr. Hulot está na casa de um amigo, onde temos um plano estático fabuloso, que explicita um dos melhores questionamentos do filme: até que ponto tanta novidade é benéfica? Não estaria essa modernidade toda nos separando cada vez mais?




Como estamos falando de um filme de Jaques Tati, estamos falando de sutilezas. Uma das mais significativas é quando os grandes e belos monumentos da França (como a Torre Eiffel) só aparecem no reflexo das portas. Esse reflexo, por sinal, é bem contrastante, visto que a cidade é mostrada em tons de cinza, como se estivesse sem vida, enquanto que essas imagens projetadas possuem cores vibrantes. 

Mas, também como estamos falando de um filme desse grande cineasta, podemos esperar também um humor mais físico, típico das comédias mudas, e isso é brilhantemente retratado na sequência do restaurante. São gags e mais gags impagáveis, que fazem rir, mas que expõem um lado crítico bem sutil (porém, eficiente). Essa sequência é outra feita de contrastes no filme, visto que, enquanto está tudo protocolar e "certinho", há muita arrogância e frieza no local. Porém, quando o "caos" se instala, tudo fica mais vibrante. 

É quando chegamos na parte final do filme, onde Tati brinca com a ideia daquela cidade poder encontrar um pouco de vida através das cores, em um amanhecer metafórico, mas também não deixa de provocar ao sugerir que tudo ali pode virar um circo. Momentos, esses, que poderiam ter sido mais encurtados, é verdade, mas, que não chegam a tirar o peso do filme como um todo. 




Jacques Tati como o próprio Sr. Hulot está engraçado e cativante como sempre, em seu jeito ingênuo e desajeitado. Outros personagens vêm e vão na história, sem grande profundidade, mas nem precisa. Afinal, o intuito aqui é mostrar a ironia de que a vida moderna nem sempre facilita as coisas. 

Muito pelo contrário. 

Se os tempos atuais não estão fornecendo bugigangas inúteis para consumo rápido, está esquematizando demais as relações humanas, afastando-nos por vidros, paredes, ou seja lá mais o que for. O Sr. Hulot aqui é, portanto, um ponto fora da curva, deslocado com sua gentiliza genuína, mostrando que o que importa, de fato, está além de prédios, botões e correria. 

Acima de tudo, um filme singelamente crítico e tristemente atual. 


NOTA: 8,5/10

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