DICA DE FILME ("BORAT - A FITA DE CINEMA SEGUINTE")
Dica de Filme
Título: Borat - A Fita de Cinema Seguinte
Ano de lançamento: 2020
Direção: Jason Woliner
2006.
14 anos atrás.
Provavelmente, naquele tempo, muitos nem imaginavam que o mundo em 2020 viveria tantos retrocessos. Não só uma pandemia assolou o planeta este ano, como muitos velhos fantasmas ressurgiram: racismo, misoginia, homofobia, xenofobia, fascismo, negacionismo científico...
Não que isso tenha deixado de existir em algum momento, mas, pareciam coisas adormecidas até um tempo atrás. 2006, portanto, poderia soar como um ano mais simples e fácil de lidar.
E foi naquele ano que conhecemos o engraçadíssimo personagem do comediante Sacha Baron Cohen: Borat.
Já no primeiro filme, ele expunha, por meio do choque, da vergonha alheia e do constrangimento, questões sociais que muitos ignoram, mas, que estão aí, na frente de todos. Em 2006, Borat já era um tanto necessário e provocador.
Porém, chegamos em 2020, e o que temos? A sequência direta de Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América.
E, isso é bom?
De certa maneira, sim, pois, Sacha Baron Cohen está com um texto mais afiado, crítico e mordaz do que antes, e tendo tempo para amadurecer seu personagem, mostra, sem nenhum pudor, como a sociedade atual conseguiu piorar o que já era ruim.
Por outro lado, é possível sentir um pouco de tristeza pelo fato de Borat ser atual. Antes, não fosse. Mas, um alento: esta sequência é superior à primeira, e um dos melhores filmes de 2020.
Inteligentemente, o ator, produtor e roteirista Baron Cohen e o diretor Jason Woliner se valem de dois recursos bem interessantes para deixar a história deste Borat mais fluida que o primeiro.
Um desses recursos é o uso do chamado mocumentário (falso documentário) para inserir o personagem em situações "reais", interagindo com pessoas comuns. O outro recurso foi filmar, em estilo de cinema tradicional, cenas envolvendo Borat e sua filha, Tutar Sagdiyev.
E, acredite: essa mistura foi ótima, e deixa o filme ainda com mais força narrativa.
No entanto, o grande trunfo do filme continua sendo o que fez do seu antecessor um grande sucesso: inserir Borat nas situações mais absurdas para expor o quão ridículas, preconceituosas e violentas podem ser as pessoas na vida real, quando provocadas a colocarem para fora seus demônios mais íntimos.
Pra isso, o comediante se vale de textos de duplo sentido (a situação envolvendo um pastor numa clínica de saúde feminina é particularmente desconfortável, e revela como os religiosos tratam certas questões), de situações escatológicas, mas que revelam, através do absurdo, a hipocrisia social, e por aí vai.
O que chama a atenção é que, desta vez, Sacha Baron Cohen está bem mais centrado em sua crítica ao "american way life", o que faz o filme questionar diversos assuntos, mas sempre inseridos em um contexto social atual e que tem feito muitas coisas regredirem.
O filme até cita as famigeradas teorias da conspiração e a influência nefasta das redes sociais. Tudo muito bem inserido naquele contexto, dialogando com o tempo no qual o filme foi realizado.
E, como esses momentos se encaixam na trama principal do longa é simplesmente excelente, fazendo uma união precisa entre ficção e realidade.
O riso aqui é pra incomodar mesmo.
Vale a máxima: rir pra não chorar, ou até mesmo rir de nervoso. Com isso, o filme provoca o espectador a todo momento, como se dissesse:
"Você realmente deveria estar rindo disso? Você de fato acha isso aqui uma piada?".
O filme consegue ser engraçado e, ao mesmo tempo, relevante, assim como as melhores comédias políticas de um cinema que parece que perdeu o tesão de ridicularizar os poderosos como se deve. Baron Cohen, consciente do que quer, confronta o espectador com seus próprios preconceitos e perversões.
Ok, em se tratando de crítica social, o filme é brilhante e se destaca, mas e quanto ao restante dos elementos que fazem parte disso que chamamos de cinema?
Bem, Sacha Baron Cohen já mostrou em outras ocasiões que, além de ser um comediante inteligente e sagaz, também é um ator muito competente. E, aqui ele está solto como nunca.
Tanto suas interações com pessoas "reais", quanto seu relacionamento com a atriz Maria Bakalova (que interpreta sua filha), mostram bem o seu talento.
Falando nisso, Bakalova também se mostra muito à vontade no papel, sendo crucial em algumas cenas, especialmente, no desfecho da trama.
Mesmo que de início soe estranha, a relação entre ela e o seu pai (o Borat) consegue se transformar em algo palpável e bonito, e isso se deve muito ao talento dela.
Fica, portanto, o grande paradoxo com este filme: ao mesmo tempo em que Borat - A Fita de Cinema Seguinte é uma comédia de primeira e força uma baita reflexão, ela também é uma produção incômoda, e (infelizmente) mostra muita relevância para o que estamos vivendo hoje.
Porém, não dá pra negar: fica o alívio de termos artistas como Baron Cohen, que, inquieto por natureza, faz um grande favor para os seus espectadores ao dizer através de Borat:
"Precisamos melhorar. Urgentemente."
E se a sequência de Borat ficar para a posteridade como "apenas" uma ótima comédia, mas que se tratou somente de uma "produção do seu tempo", já terá sido de bom tamanho.
Enquanto isso, ridicularizar quem merece é sempre (muito) engraçado.
Nota: 8/10
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