DICA DE FILME ("GÊNERO, PAN")

Dica de Filme


Título: Gênero, Pan
Ano de lançamento: 2020
Direção: Lav Diaz


A miséria humana como provável consequência do nosso primitivo cérebro (ou da imposição dos deuses) em um filme cru e incomodamente humano

Não é de hoje que muitos especialistas dizem que o ser humano poderia ir além de suas capacidades caso tivesse um cérebro mais evoluído. De uma mente assim, iriam surgir sentimentos nobres, como o altruísmo e outros, como raiva, ciúmes e ganância, seriam extirpados. Cm base nesses conceitos o filme "Gênero, Pan" aborda a vida miserável de uma comunidade afastada nas Filipinas, onde a milícia e a impunidade reinam, dando lugar ao medo e à desesperança. 

De início, acompanhamos três personagens específicos. Todos numa jornada para melhorar suas vidas num país sem oportunidades de emprego e renda dignas. Metade do filme é gasta para mostrar a interação conturbada entre eles de uma maneira intimista e bastante verdadeira. Além disso, a fotografia em preto e branco dá um tom ainda mais melancólico, e, por vezes, desesperador aquele ambiente, que mais parece um ser vivo, prestes a engolir aquelas pessoas.




Rousseau disse que o meio é que corrompe o homem. Aqui, em "Gênero, Pan", esses três protagonistas lutam contra o meio pra não se deixarem apodrecer, especialmente o jovem rapaz que só que ter um bom emprego para cuidar da irmã doente, e um religioso, que tente justamente fazer do altruísmo uma constante na relação desse grupo. Enquanto que o senhor, o mais velho dos três, alquebrado pela vida, vê na extorsão um meio de sobreviver.

O diretor Lav Diaz conduz uma narrativa lenta, mas, não menos envolvente, a respeito da vida particular dessas pessoas, ao mesmo tempo em que não se furta em expor, através de alguns diálogos precisos, os horrores de um país como as Filipinas, jogado à própria sorte, e onde o mais "forte" irá tentar se dar bem. É uma história muito imersiva, e que não coloca lado a lado com aqueles homens. 

A cada diálogo, a cada pequeno gesto, vamos conhecemos mais do caráter deles, e constatando que nada é tão "preto no branco" assim (contrastando, ironicamente, com a fotografia do filme). Todos têm os seus demônios pessoais mal resolvidos, o que faz com que se refugiem, muitas vezes, na religiosidade e no misticismo (um tema bem recorrente aqui). 




Na segunda metade (o filme tem mais de duas horas e meia de duração), "Gênero, Pan" faz um corte preciso entre passado, presente e futuro, mostrando acontecimentos inesperados, e como eles irão reverberar na vida dos três protagonistas e das outras pessoas que residem naquele vilarejo. É quando a produção consegue ficar mais crua ainda, com cenas que não poupam o espectador (nada gratuito, mas, bem impactante). 

"Gênero, Pan" vale-se de coisas abstratas para criticar o real, seja uma simples teoria científica a respeito da evolução do cérebro dos macacos e o nosso, seja através da religiosidade e dos mitos locais. Cada uma dessas questões parece reverberar na condição humana, ora submissa e miserável, ora dotada de algum poder de vida e morte, onde se extrapola toda sorte de maldades. 

É uma abordagem ambiciosa, e que o cineasta Lav Diaz conduz muito bem, apesar do filme ser longo. Tudo se intensifica devido às atuações naturalistas, que parecem mais habitantes locais representando a si, o que deixa a experiência bem próxima do documental. 

Tenso e, até certo ponto, cruel, "Gênero, Pan" apresenta um microcosmo das Filipinas que, devido à sua narrativa, poderia se passar em outras partes do mundo. Pois, em qualquer lugar, somos daquela forma, lutando para sermos um pouco mais daquilo que possivelmente a natureza (ou os deuses) nos impôs. E, os poucos que lutam, nem sempre conseguem. 


Nota: 9/10
 

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