DICA DE FILME ("CONTRA A PAREDE")

Dica de Filme

Título: Contra a Parede
Ano de lançamento: 2004
Direção: Fatih Akin

Perto do fundo do fundo do poço, uma esperança

O cinema de Fatih Akin tem uma energia própria. Seus filmes parecem "respirar" enquanto duram, o que faz, muitas vezes, com que o nível de imersão seja bem significativa. Às vezes, ele acerta muito ("Soul Kitchen"). Às vezes, ele parece mais preocupado com o mero choque ("O Bar Luva Dourada"). E, às vezes, ele faz pérolas estranhamente cativantes como "Contra a Parede". 

Uma das qualidades deste é justamente não parecer se enquadrar em nenhum estereótipo de gênero. O mais certo seria dizer que, de início, ele lembra uma comédia. Você ri e até se diverte com certas situações, apesar de ter cenas e temas pesados em um ou outro momento (como a temática do suicídio, por exemplo). É somente aos poucos que o filme vai nos absorvendo para constatarmos que se trata de um bonito drama sobre a solidão. 

Os protagonistas aqui aparentam desinteresse pela vida, cada um à sua maneira. Cahit vive de bebedeiras e consumo de outras drogas, fazendo brigas e hematomas por aí. Já Sibel não é nem um pouco diferente, tendo que lidar com uma família castradora. 

Ambos se conhecem numa clínica de reabilitação (ele, depois de sofrer um acidente de carro, e ela, após mais uma tentativa de suicídio). E, ambos começam essa história de convivência onde um vai se apoiar no outro para sobreviverem. 

De início, o filme de fato soa estranho para quem está mais habituado a uma trama mais linear ordenada, mas, essa é justamente a graça e a força de "Contra a Parede". Sem muitas convenções, vamos acompanhando o desenrolar do relacionamento entre Cahit e Sibel, que ora parece ser comédia, ora um romance, ora um drama dos mais pesados. 

E isso tudo com uma potência narrativa incrível, onde só temos algum "descanso" no ato final do filme, que amarra um desfecho muito cativante para esses dois personagens após tantos desentendimentos, desencontros, aflições e violência. 

O melhor é que tanto o roteiro quanto a direção de Fatih Akin consegue nos "enganar" de maneira inteligente, pois, somente aos poucos é que vamos simpatizando com Cahit e Sibel, e, quando percebemos, já queremos que fiquem juntos para o resto de suas vidas. Detalhe: sem deixar de perder a identidade como uma obra, muitas vezes, crua e visceral, sem abrir concessões ao mostrar o quanto podemos atingir o fundo do poço, seja pela solidão, seja pelo desejo de liberdade. 

Sem soar moralista, o longa fala, sem rodeios, de questões como suicídio, depressão e consumo de drogas, além de alfinetar o quanto as tradições familiares podem prejudicar o psicológico de alguém. E, ainda traz outros debates interessantes, como emancipação feminina, por exemplo. São temas abordados sem tanta profundidade, mas, colocados organicamente na trama, e que fazem bastante sentido aonde o filme quer chegar. 

Birol Ünel e Sibel Kekilli, que fazem os protagonistas aqui, estão excelentes, e carregam bem o peso de seus personagens. Você sente toda a angústia e amargura deles, e é bastante interessante como conseguimos nos afeiçoar a Cahit e Sibel, mesmo que, a princípio, pareçam somente gente excêntrica, querendo viver a vida adoidado, sem camadas. E isso se deve muito ao trabalho dos atores. 

Com estética crua, de câmera na mão, e poucos recursos técnico, Akin consegue passar, visualmente, todo o caos que é Cahit e Sibel em seus interiores. Sem contar ainda que há um recurso narrativo bem interessante, onde temos uma orquestra de música "separando" a história em capítulos, com canções que dizem muito a respeito do momento no qual os personagens estão passando. 

Fora isso, o restante da trilha sonora é totalmente rock'n roll, o que ajuda bastante nessa sensação de agitação e desespero que permeia boa parte da duração do longa. 

"Contra a Parede" pode ser considerado, no final das contas, um romance. Só que um romance despudorado, sem amarras, sem moralismos e muito autêntico. Estranhamente irresistível e cativante.. De fato, um dos melhores trabalhos de Fatih Akin, ao lado de "Soul Kitchen". 

 Nota: 8,5/10