DICA DE FILME ("NÃO MATARÁS!")

 Dica de Filme


Título: Não matarás!
Ano de lançamento: 1988
Direção: 
Krzysztof Kieślowski


 Inaugurando uma série de filmes com temas bíblicos em "Não Matarás!", Kieslowski questiona, entre outras coisa, a pena de morte


Um rapaz solitário, um taxista e um defensor público. Vidas distintas que, uma hora, vão se cruzar. Traumas do passado, valores morais, um sistema arcaico. A falta de controle das próprias ações. A vida sem sentido e que passou. Uma sociedade em que o indivíduo mata e o Estado também mata. A morte, finalmente, como punição. Estagnação. 

O primeiro filme do decálogo bíblico de Kieślowski (feito originalmente como um curta e ampliado para um longa-metragem tempos depois) não é necessariamente um estudo de personagens, apesar de mostrar pessoas com um bom grau de complexidade. É, antes de tudo, um estudo social, um questionamento de valores. 

Importante lembrar que o filme se passa na Polônia dos anos 80, onde Comunismo ainda era o regime vigente (a queda do Muro de Berlim aconteceria cerca de 1 anos após a estreia de "Não Matarás!"). Portanto, Kieślowski faz de seu filme uma espécie de manifesto no qual ele questiona não só as ações individuais de seus protagonistas, mas também o estado e suas leis. 




Chama a atenção Kieślowski escolher justamente um defensor público, recém-formado na área de Direito, e, por isso mesmo, um idealista, para ser a bússola moral do filme. Alguém que se vê chocado e perplexo diante da impotência de sua primeiro grande caso, e a constatação de que seus ideais não são o suficiente nessa profissão que escolheu. 

Já na primeira cena em que aparece, o (ainda não contratado) defensor público se encontra numa entrevista de emprego, e, entre um diálogo trivial e outro, ele fala, por exemplo, sobre a (in)utilidade de penas mais pesadas para inibir a criminalidade. Pode parecer uma fala qualquer, mas que conversará bastante com o filme, especialmente no final. 

Final, esse, por sinal, que condensa tudo o que Kieślowski quer falar com essa obra, não poupando o espectador com cenas tristes e angustiantes. O que mostra que a obra tem como característica um viés humanista bastante forte. 




Cabe destacar também que o questionamento feito aqui não é tanto em relação ao crime cometido, mas sim se a punição oferecida realmente surte algum efeito prático na sociedade, e até que ponto uma pessoa pode chegar a cometer um ato bárbaro devido a circunstâncias diversas. O filme, portanto, não está interessado em apontar heróis ou vilões, e sim em provocar uma reflexão mais ampla. 

Não é à toa, por exemplo, que o personagem do taxista é retratado como uma pessoa, muitas vezes, rude e mesquinha, mas que se mostra, no final das contas, alguém banalmente comum, como todas as outras. E, como várias delas, pode ficar à mercê de algo bárbaro, fruto de uma mente perturbada por conta de diversos fatores. 

Não é uma narrativa, portanto, simples ou preto no branco, com personagens bem delineados, ou situações de fácil entendimento. Mesmo curto (menos de 1h30min), o filme tem complexidade suficiente para fazer muitos questionamentos, especialmente, do estado polonês, retratado pelas lentes de Kieślowski como sujo e decadente. 



"Não Matarás!" é, sob diversos aspectos, um filme indigesto, mas, provocador, e sem soar gratuito. Se pensarmos que poucos meses depois do longa chegar aos cinemas, o sistema político na Polônia foi dissolvido, podemos enxergar a produção como o retrato dos momentos finais de um regime que estava deixando estado e pessoas decadentes e em colapso.  

Uma inquietante provocação social, que reverbera em qualquer regime onde o humanismo não impere, e no qual as leis se mostram rígidas ao extremo. Seja num regime socialista ou capitalista. 

Filme, portanto, poderoso. 


Nota: 9/10




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