DICA DE FILME ("Os Incompreendidos")

Dica de Filme


Título: Os Incompreendidos
Ano de lançamento: 1959
Direção: 
Francois Truffaut



Com a sensibilidade que lhe era inerente, Truffaut usa da história de um garoto sem rumo na vida pra falar de toda uma geração de incompreendidos

Saber captar o espírito de uma época. E não só: traduzir anseios, inquietações, angústias e sofrimentos em forma de arte. Alguns autores conseguem essa façanha. Com "Os Incompreendidos", Truffaut conseguiu. E isso porque, entre os méritos dessa obra, está o de usar o microcosmo de uma família disfuncional, com problemas financeiros e de relacionamento, para falar de algo mais amplo que afligia principalmente a juventude naquele momento. 

Lembremos: este filme se passa no final dos anos 50. Ou seja, pós-Segunda Guerra Mundial, e anterior a Maior de 68. Crise financeira nas alturas, e problemas na educação de crianças e adolescentes, já não mais enquadrados na filosofia de vida daquele mundo adulto que só violência para o mundo. Neste universo de adultos e crianças perdidas, tenta-se passar a moral à força. Sem resultados. 




Em "Os Incompreendidos", nenhuma instituição funciona, ou dá conta de entender e educar de maneira digna a nova geração. Escola, família, internato, autoridades em geral. Nada parece realmente estar em sintonia com uma juventude que estava alheia aos princípios daquela época (e que aparentavam estar tão ou mais perdidos). 

Nesse sentido, não é de estranhar que o garoto Antoine se mire em Balzac em determinado momento da história. Ou seja, um autor de mais de um século, mas, que, de alguma forma, desperta, mesmo que temporariamente, a verve artística do rapaz, bem como sua sensibilidade. Porém, como um rolo compressor, o sistema naquele momento é implacável, e Antoine se vê novamente perdido. 

É muito significativo que o mundo dos adultos aqui seja retratada de maneira violenta, ou simplesmente indiferente. Os professores de Antoine são brutos, ao passo que sua mãe e deu padrasto não oferecem o mínimo de amor e carinho ao menino. Apenas reprimendas e obrigações domésticas. 

Os outros garotos que circundam a vida de Antoine não são muito diferentes. Na verdade, como um caleidoscópio da França da época (e, porque não, da Europa como um todo), Truffaut expõe a frieza de uma sociedade que nem tenta mais entender a si, cujos transeuntes andam de lá pra cá meio desnorteados, apressadamente, e onde crianças estão à margem, roubando, fazendo traquinagens ou simplesmente sem nenhuma perspectiva. 




Em termos de técnica, "Os Incompreendidos" estava à frente do seu tempo. Truffaut pôde experimentar bastante, seja em tomadas aéreas bem criativas, e que, ao mesmo tempo, auxiliavam na narrativa, seja em alguns planos sequência, um artificio bem pouco comum naquele tempo, e que ajudou a compor algumas das cenas mais bonitas da filmografia de Truffaut (Antoine correndo em busca de liberdade já no final do filme é uma tomada lindíssima). 

Fora que as atuações naturalistas estão bem convincentes, especialmente de Jean-Pierre Léaud, como Antoine, A narrativa de Truffaut também se mostra bem gradativa, fazendo com que o filme siga em um ritmo muito bom, mesmo com as experimentações e os comentários sociais nas entrelinhas. Com isso, "Os Incompreendidos" possui o tempo que precisa ter, e se encerra de maneira perfeita (e triste, se pensarmos bem)

Porém, o grande atrativo aqui continua sendo a forma como Truffaut captou os problemas de uma época que parecem reverberar até os dias atuais. Afinal, nunca a juventude nunca foi tão incompreendida quando nas últimas décadas, onde os adultos se recusaram a rever paradigmas e, assim como mostra o filme, pretendem educar crianças e adolescentes sempre nos mesmos moldes. 




É uma visão tão arguta da realidade que nos cerca que o filme mostra que até adultos marginalizados se enquadram na categoria de incompreendidos. Na verdade, mesmo que a história seja mostrada através da visão do jovem Antoine, sua representação simbólica é mais ampla e profunda, onde seus dramas pessoas, sua inadequação social e seus conflitos com quem o cercam acabam sendo, ao mesmo tempo, retratos fieis de um tempo, e, infelizmente, ainda dialogarem com os dias de hoje. 

Um dos mais bonitos filmes do cinema, e um clássico a ser (re)descoberto. Sempre. 


Nota: 10/10


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