DICA DE FILME ("Victoria")

 Dica de Filme


Título: Victoria
Ano de lançamento: 2015
Direção: Sebastian Schipper



Um longo plano-sequência de vidas sem rumo

A técnica pela técnica é um negócio complicado. Muitos filmes se valem disso (ou confiam demais nesse aspecto) para causar a catarse almejada em suas obras. Gaspar Noé, por exemplo, é um cineasta que se vale demais desse recurso, e geralmente seus filmes são vazios. 

Recentemente, tivemos o aclamado filme de guerra "1917", alardeado como uma grande obra muito devido ao filme ser basicamente dois grandes planos-sequência. Contudo, ao final, a produção pareceu mais um portfólio para as habilidades técnicas de Sam Mendes e equipe do que uma história que realmente prendesse a atenção e que se conectasse com o espectador. 

Dito isto, chegamos à "modesta" produção alemã "Victoria", feita 4 anos antes de "1917", e que também faz uso de um plano-sequência (desta vez, apenas um, numa tacada só). A diferença está no fato de que "Victoria" não usa esse artifício apenas para nos fazer imergir na ação, mas também para contar uma história interessante, que possui mais profundidade e carisma. 




Sebastian Schipper mostra total domínio narrativo, com diálogos que parecem improvisados, deixando tudo mais palpável, mais orgânico. Sua câmera, mesmo na mão, consegue captar o momento certo de cada situação, buscando sempre o ângulo mais adequado para termos fôlego de acompanhar aquela história, sem interrupções, por mais de 2 horas. Não é fácil conseguir o resultado obtido aqui.

Desde os primeiros instantes, quando a protagonista sai de uma boate em Berlin, conhecendo 4 rapazes, e interagindo com eles, vamos conhecendo melhor quem ela é, e também quem são aqueles homens. Tudo na base dos diálogos, aparentemente, causais e descompromissados. Porém, cada conversa é uma camada a mais que se adiciona aos personagens, e assim, vamos nos conectando com eles. 

Para alguns, esses momentos podem ser chatos, porém, acabam sendo essenciais enquanto construção de personagens, ao mesmo tempo em que a história avança. Mesmo quando Victoria e seus novos amigos param pra fumar um baseado na sacada de um prédio, as conversas não são aleatórias, e estão comunicando algo que, futuramente, vai se encaixar na trama. Basta um pouco de paciência. 




Quando, enfim, acontece a grande ruptura na história, somos jogados, juntos com os personagens, em um turbilhão de acontecimentos imprevisíveis. A sensação de insegurança e de impotência é ainda mais forte com o fato do filme ter um único plano-sequência. Ou seja, além de questões mais sutis, que ajudam a enriquecer a personalidade daquelas pessoas, "Victoria" também é bastante sensorial.

Mesmo que a casualidade de outrora dê lugar a uma história mais frenética e violenta, o filme não perde o seu brilho. Ao contrário: como conhecemos mais Victoria e os outros, passamos a temer mais por eles. Algo que se agrava mais quando entendemos que todos ali, mesmo não querendo morrer, parecem sem rumo ou objetivos claros. Apenas querem extravasar em meio a uma sociedade sem perspectivas. 

Esses comentários nas entrelinhas deixam "Victoria" ainda melhor. Ou seja, o plano-sequência, neste caso, não é puro exibicionismo técnico, e a trama não se resume a um mero filme de assalto. Schipper faz um retrato cru de uma juventude desgarrada, com sonhos nunca concretizados. Um grupo bem mais complexo quando se acompanha mais de perto e por mais tempo (e sem cortes). 




Por se tratar de um projeto complexo, onde as filmagens ocorreram sem cortes por muito tempo, era preciso que os atores passassem uma verdade em suas falas, em suas interações. E é exatamente esse um dos pontos altos do filme. Laia Costa está bastante à vontade no papel, bem como os demais atores, que souberam bem incorporar o frisson de todas aquelas situações. 

Sendo mais do que um único plano-sequência, ou mesmo um "filme de assalto", "Victoria" sabe como dialogar sobre as particularidades de uma juventude que só encontra propósito na diversão e no escapismo. Longe de julgar seus protagonistas, o que a história busca é uma aproximação maior entre o espectador e essas pessoas (que não se resumem a meros rebeldes sem causa). 


Nota: 9/10

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