Dica de filme ("Mass")

 Dica de Filme


Título: Mass
Ano de lançamento: 2021
Direção: Fran Kranz



Feridas que não cicatrizam

Algumas chagas sociais não são apenas difíceis de combater, mas também são bastante complicadas de compreender, e, sob certo aspecto, de "aceitar", seja pelo lado das vítimas, seja dos "sobreviventes". Um exemplo disso são os atentados que ocorrem com frequência em escolas nos EUA. Muito se debate a respeito do que leva jovens a cometerem esses atentados, o fácil acesso à armas, a depressão dos tempos atuais, a influência dos jogos de videogame... 

Mas, raramente os olhos do público se voltam para o "depois" de cada atentando. Menos ainda: não se debruçam sobre os que ficaram, especificamente, os pais das vítimas fatais, ou do algoz. E é isso o que "Mass" faz. Aqui temos dois casais tentando entender o inferno pelo qual passaram, buscando respostas e (por que não?) algum conforto ou mesmo redenção. As feridas continuam lá, e, muitas vezes, ainda provocam dor. 



"Mass" inicia com uma longa preparação para a interpelação entre esses dois casais, e talvez esse seja um dos pontos mais fracos da produção, pois, esse começo passa um pouco do limite, e se estende mais do que deveria. Porém, com calma, tudo vai se encaixando. O primeiro casal chega, depois o segundo, e então, a conversa entre eles (o grande ápice do filme) finalmente se inicia. A princípio, de maneira amistosa, e depois, nem tanto. 

O longa mostra os personagens em longos diálogos, mas, que nunca descambam para os monólogos, e sim, para um confronto de ideias. O texto é afiado, e muito bem conduzido, fazendo com que o filme, mesmo calcado unicamente na conversa entre os casais (não há flashbacks aqui), possamos dimensionar o que aconteceu, como aconteceu, e as suas consequências. E tudo mostrado aos poucos, escalonando o nível de raiva, frustração e tristeza daqueles que estão ali. 

Alguns naquela sala, por sinal, não buscam por respostas fáceis, daquelas que foram amplamente divulgadas na mídia. Querem, isso sim, descobrir as causas mais íntimas do porquê aconteceu aquilo. Sem contar que mais alguém ali não está interessado em debater política (por exemplo, sobre questões relacionadas a armamento, e coisas do tipo). O debate aqui precisa ser mais profundo para os que estão em busca de algo como um propósito, ou algo semelhante. 



Extrair de maneira tão íntima um tema complexo como os atentados em escolas nos EUA é um acerto dos grandes da produção, que ao se focar em um único caso, com poucas pessoas envolvidas, permite uma identificação maior do público que assiste. Sem contar que o texto também é meticuloso ao mostrar que existem ali visões de mundo diferentes, até mesmo entre marido e mulher, o que enriquece a conversa, mostrando pontos de vista interessantes e muito pertinentes.

Tudo isso, porém, não seria tão bem conduzido, ou não teria força suficiente, caso o elenco principal não brilhasse. Martha Plimpton, por exemplo, faz uma mulher bastante fragilizada com o que aconteceu, e é sua personagem que inicialmente interpela e provoca um debate mais profundo naquela conversa. Já Jason Isaacs interpreta um personagem que tenta ser o máximo possível racional, mas, que talvez esteja até mais fragilizado que a esposa. 

Reed Birney tem um desempenho mais contida, buscando uma espécie de racionalidade naquilo, enquanto que Ann Dowd possui alguns dos melhores diálogos, fazendo uma mãe que entende o que o filho fez, mas, que se recusa a taxá-lo de psicopata. "Ele era, no máximo, triste", diz em certo momento da história, no calor da discussão. 

Já o Fran Kranz, como cineasta (esse é o seu primeiro longa, diga-se), conduz o embate entre os casais de maneira brilhante, fazendo algumas pausas propositais em momentos mais tensos. Sua câmera consegue se posicionar de maneira bem instigante entre os personagens, dando certo "dinamismo" à narrativa, ainda que focada em um único ambiente. Uma pena, porém, que no final, ele se alongue demais, mesmo que dois momentos nesse desfecho sejam cruciais para finalizar a história. 



Caso tivesse sido mais enxuto na introdução e no desfecho (coisa de uns 15 minutos no total), "Mass" seria um filmaço. Mas, mesmo com esses poucos excessos, o filme expõe bem a fragilidade das pessoas diante de tragédias como essa, independente de causas, motivos, respostas ou propósitos. Dar um pouco mais de intimidade a um tema que muitas vezes se resume a espetáculos midiáticos proporciona uma experiência mais reflexiva e empática. 


 Nota: 8/10

Comentários