Dica de Filme ("Aranhas de Papel")

 Dica de Filme


Título: Aranhas de Papel
Ano de lançamento: 2021
Direção: 
Inon Shampanier



A difícil convivência entre mãe e filha em meio a um quadro de patologias mentais

O cinema, vez ou outra, aborda um tema um tanto delicado: a convivência em família com pessoas que tenham alguma necessidade especial, ou simplesmente, algum distúrbio de ordem mental."Rain Man" e "Uma Lição de Amor" são ótimos exemplos disso. 

Só que a despeito desses filmes serem belíssimos, diga-se de passagem, não deixam de ter certos melodramas e convencionalismos típicos de Hollywood. "Aranhas de Papel", por sua vez, é uma produção bem recente que tenta ir um pouco na contramão, apostando em algo mais cru, mesmo que a princípio um certo aspecto soe fantasioso.

E justamente a questão que parece um pouco forçada aqui (pelo menos, nos primeiros minutos de filme) são as estranhas atitudes da personagem Dawn, mãe da colegial Melanie, e que se sente cada vez mais isolada e depressiva após a morte do marido. Só que isso acaba desembocando em uma paranoia constante, na qual ela acredita estar sendo perseguida pelo vizinho. 

No início, e talvez até mesmo o roteiro faça isso propositalmente, vemos uma Dawn bastante exagerada em seus temores, para depois entendermos um pouco melhor a sua doença. Esses exageros de suas atitudes passam a ser até reinterpretados por nós. Surge aí um pouco de empatia. Só que a relação com sua filha Melanie não será nada fácil, e o roteiro mostra a todo o momento que, de fato, não é simpples. 




Um dos aspectos mais interessantes do filme é que ele não alivia para nenhum personagem e também tenta não emitir juízos de valor rasos. Sim, a doença que Dawn tem, e que vai se agravando com o tempo, é muito séria, mas, em alguns momentos, ela também mostra certa crueldade para com a filha, mesmo diante do turbilhão mental que a desnorteia. 

Ao mesmo tempo, Melanie não é a típica adolescente boazinha. Sim, ela passa perrengues com a mãe muito difíceis de lidar, porém, em alguns momentos, ela sabe dizer algo que a machuque (mesmo que em outras ocasiões, ela tenha aguentado os ataques de Dawn de forma bem passiva). 

Ou seja, o roteiro vai construindo um panorama do dia a dia de duas personagens extremamente humanas, com suas falhas e qualidades, e cujo problema psicológico de uma é um ponto meio que de ruptura, pelo qual ambas precisarão a aprender a conviver (especialmente, Melanie). Nesse sentido, algumas situações são tensas, sendo filmadas com certa crueza. 

O filme, no entanto, não se furta a certos convencionalismos. Tipo: quando precisa avançar na trama, põe uma música, que serve de videoclipe para as cenas que vão se intercalando. Não deixa de ser, portanto, um recurso clichê, apesar de nem incomodar tanto o desenvolvimento da narrativa. Dá um certo charme, até. Mas, não deixa de ser algo já visto tantas vezes. 




Ponto positivo para de que maneira o filme consegue intercalar bem os tons de cada momento. Em algumas ocasiões, por exemplo, "Aranhas de Papel" diverte como se fosse uma comédia simples e banal do dia a dia. Já, em outros, ele causa angústia, enquanto que certas sequências produzem uma profunda tristeza. Porém, isso é muito bem construído, sem que um desses aspectos atrapalhe o outro. 

Além disso, o filme consegue mostrar esse problema envolvendo paranoia e esquizofrenia com bastante cuidado para não soar algo forçado demais ou caricato. Nisso, a atriz Lili Taylor tem um papel fundamental, pois, ela consegue passar uma verdade bem intensa na atual condição de sua de sua personagem, que em questão de segundos pode se transformar, e ter um ataque de pânico ou fúria. 

Em contrapartida, Stefania LaVie Owen faz uma adolescente que ora tem empatia pela mão, ora não aguenta mais tal situação, e essa confusão mental que vai tomando conta da personagem é bem construída pela atriz, que consegue ter carisma nas situações mais calmas, e se entregar nos momentos mais dramáticos. 

A direção é sutil, não tendo nada de excepcional, mas, também não atrapalhando, enquanto que o roteiro é bem amarrado, e consegue abordar uma temática difícil em relação a transtornos desse tipo, e ainda com o agravante de ser no meio de uma relação cada vez mais conflituosa entre mãe e filha. 

Inclusive, nesse sentido, fica cabe questionar diante do que o filme mostra: a doença de Dawn criou aquela situação insustentável com a filha, ou esses sentimentos estavam ali, guardados, com o atual estado de saúde mental dela que esses problemas vieram à tona? Bem interessante a possibilidade de refletir esse ponto. 




Em outras palavras, podemos dizer que "Aranhas de Papel" não somente trata de uma delicada e complicada condição psicológica (e que é bastante negligenciada por aí), mas também a questão da maternidade, da expectativa de futuro de uma adolescente presa em meio a uma situação que talvez não tenha cura, o sofrimento de alguém que se vê cada vez mais isolado e deixado para trás, e por aí vai. 

Ou seja, são muitas as possibilidades de ver o filme, que, mesmo simples na proposta e na realização, traz uma gama de reflexões muito positivas. E todas elas direcionadas a um quesito básico: empatia. 

Nota: 8/10

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