Dica de Filme ("O Predador: A Caçada")

Dica de Filme


Título: Predador: A Caçada
Ano de lançamento: 2022
Direção:
 Dan Trachtenberg 



A luta com os arquétipos do universo masculino

ATENÇÃO: ESTA ANÁLISE TEM SPOILERS!!!

Às vezes, uma avaliação objetiva demais impede a imersão numa história. Pior: isso evita apreciar as possibilidade de simbologias e metáforas que uma boa história traz consigo. Ainda mais quando essa cobrança excessiva por verossimilhança vem acompanhada de uma carga ideológica problemática. 

Peguemos o recente exemplar da franquia Predador ("Prey"), que vem recebendo algumas críticas injustas sob a justificativa de que é um absurdo uma menina comanche de uns 50 kg enfrentar um alien maior e mais tecnologicamente avançado. O problema dessa implicância é que, se levada ao pé da letra, arrasa com 99% dos filmes de ação e aventura estadunidenses, já que eles são tudo, menos "realistas". 

O que nos leva à questão primordial neste filme aqui: não se trata apenas de uma menina enfrentando um monstro, mas, uma história de afirmação e empoderamento, que tem como uma de suas alegorias mostrar um ser fisicamente mais frágil enfrentando um oponente mais forte e com armamento superior. Além disso, tem a simbologia machista que "Prey" aborda (e que, não por caso, está presente em boa parte das críticas negativas que ele vem recebendo) ao colocar uma mulher desacreditada de suas capacidades mostrando um grande poder de superação. 

Mas, não somente isso. 




As desculpas para não gostar de "Prey" ("Predador: A Caçada", como ficou o título no Brasil) podem ser muitas, mas, sinceramente, poucas se sustentam. 

"Nerfaram" o Predador, deixando-o mais fraco que as outras versões para cinema? Sem problema algum quanto a isso, pois, a história aqui acontece 300 anos no passado, e a tecnologia dele, apesar de mais avançada do que a dos nativos comanches, não era o que temos hoje, e além disso, o Predador neste filme pode facilmente ser colocado como uma metáfora aos brucutus que têm acesso a armas pesadas, mas, são incompetentes para usá-las em situações mais complicadas. A própria forma de andar da criatura lembra esses homens fortes e arrogantes que acham que são superiores a todos. 

Percebam: neste filme, desde que o Predador desembarca na Terra, ele mata alguns animais que são predadores em nosso reino animal (como uma cobra e um lobo), mas, não sem antes ser atacado por esses mesmos animais, e sofrer alguns ferimentos (mesmo que sejam leves). A própria criatura é, ao longo da história, é ferida por guerreiros comanches e colonizadores europeus. Ou seja, não é um caçador tão inteligente e perspicaz assim. E isso se justifica por estarmos falando de três séculos atrás, quando, provavelmente, os Predadores não tinham tanta experiência assim. 

Além disso, as críticas contra a personagem Naru se mostram injustas. Afinal, desde o começo do filme, ela é mostrada como alguém que enfrenta de igual para igual os homens de sua tribo, possui habilidades de caça muito boas, e mesmo com baixa estatura, possui força e agilidade. Soa forçado? Se for assim, teremos que colocar como forçados outros tantos personagens, como Rambo, Bradock, John Wick, etc. O questionamento é: essa implicância com Naru tem a ver com o fato dela ser mulher ou por que a história realmente força a mão em alguns momentos?

Fica a provocação. 




Certo mesmo é que, como deu pra notar, o roteiro do filme constrói muito bem a sua premissa. Temos um Predador um pouco mais brucutu e, pelo visto, nem tão experiente assim, enfrentando uma garota inteligente, forte e habilidosa de uma tribo de comanches. 

Por que isso haveria de ser um problema?

Sem contar que um dos grandes acertos de "Predador: A Caçada" é resgatar a mítica do filme original, onde temos um caçador alienígena em busca de oponentes à altura que ele considera uma ameaça. É por esse motivo, por exemplo, que, de início, ele não ataca Naru, não considerando ela uma ameaça, já que ela quase sempre está em desvantagem ou em situação de vulnerabilidade quando ambos se encontram. Da mesma forma que os homens de sua tribo não lhe dão credibilidade, achando que ela não é uma guerreira à altura deles. 

Percebem a analogia?

Nem tudo na arte precisa ser verossímil, ou, ipsis literis, de acordo com a realidade. Até mesmo porque um dos papeis da arte é pegar elementos do real, e os transformar em símbolos que dizem algo. E, nesse sentido, "Predador: A Caçada" se sai muito bem, pois, mesmo dentro de seu universo fantasioso, dialoga com o mundo real (as mulheres diante dos homens, ou apenas de machos de outras espécies), e faz isso de maneira concisa e precisa. 

Tanto é assim que o filme adia ao máximo a luta final entre Naru e Predador, e mesmo diante de alguns momentos exagerados, tudo se encaixa bem dentro do que vinha sendo estabelecido antes. Forçado? Talvez só um pouco. Incoerente? Não mesmo. 




Em termos técnicos o filme deixa um pouco a desejar nos efeitos especiais de alguns animais selvagens, mas, acerta na caracterização do Predador. As sequências de contemplação da natureza e de ação são muito bem filmadas (com destaque para a luta corpo a corpo da Naru com aqueles colonizadores). Falando na personagem, a atriz Amber Midthunder é bastante carismática, e segura muito bem o ritmo, tanto é que boa parte do começo do filme é só com ela em cena, antes do surgimento do Predador, e a presença dela na tela mantém nosso interesse em sua trajetória. 

"Predador: A Caçada" tem alguns defeitos pontuais, mas, está longe de ser vazio de estética e conteúdo. Ao contrário: ao abordar a luta de uma mulher (ainda mais pertencente a uma tribo de povos originários da América) tentando se impor ao universo masculino, isso, por si, já mostra bem o perfil de quem está taxando o filme de "lacração". 

Repetindo: a premissa do filme se justifica no desenvolvimento, com um arco de personagem bem construído, onde cada ação gera uma reação, mesmo que alguns momentos, de fato, soem meio  "convenientes" (o personagem do cão talvez não devesse estar ali, pois, ele deixa alguns poucos momentos com aquela sensação de facilitação de roteiro). Mas, ainda assim, tudo ali está bem amarrado e perfeitamente justificado. 

Como aventura e ação, o filme se sustenta bem, entregando momentos que realmente empolgam. Isso tudo embalado numa ótima direção, atuações muito convincentes, e uma ambientação lindíssima. E, claro, numa simbologia ali nas entrelinhas que (ainda) incomoda muita gente.

Fazer o quê?



Nota: 8/10

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