Dica de filme ("Broker")
Dica de Filme
Título: Broker
Ano de lançamento: 2022
Direção: Hirokazu Kore-eda
Os complicados papéis da maternidade e da paternidade
Podemos dizer que o diretor Hirokazu Kore-eda é um "homem de família", não no sentido mais tacanho do termo, mas, porque alguns dos seus melhores filmes tratam essas relações de forma profunda, não se limitando apenas a explorar as nuances de parentes cosanguineos, mas, de pessoas que, dadas as circunstâncias de exclusão e abandono em que vivem se apoiam uns nos outros como uma família simbólica.
Foi assim com o excepcional "Assunto de Família" (2018), e mais recentemente com este "Broker".
Aqui, temos vários temas perpassando basicamente um só: o abandono. Seja o abandono parental, marental, ou de qualquer outra ordem. A sociedade que o filme retrata muito questiona as mães que abandonam seus filhos, mas, também provoca que os pais têm responsabilidade. Ao mesmo tempo, não há vilanização de gêneros em "Broker". Homens e mulheres erram, e alguns têm seus motivos para fazer o que fazem. O cineasta Kore-eda, portanto, não está preocupado em julgar, mas, em expor as contradições do que é ser pai e mãe nos dias atuais.
Mesmo tratando de assuntos um tanto delicados (prostituição, aborto e tráfico de crianças), o filme não se rende ao sensacionalismo barato, preferindo explorar de forma mais intimista os laços que unem as pessoas em torno do que muitos chamam de família, e como homens e mulheres encaram a questão da maternidade e da paternidade em diferentes circunstâncias. É quase um mosaico de perspectivas distintas em busca de um sentimento de acolhimento.
E, esse acolhimento vem muito a calhar em "Broker, que trata basicamente do abandono, não só de recém-nascidos, muitas vezes, pelas suas mães, mas, do abandono de um modo geral, onde as pessoas sentem que não pertencem a nenhum lugar que possam chamar de lar, onde se sintam protegidas ou acolhidas. Praticamente todos os personagens aqui parecem buscar esses laços, essas (re) conexões que tragam novamente um sentido de família em suas vidas.
É, portanto, bastante significativo quando uma personagem é questionada porque nunca "conversou" com seu bebê, e quando o faz, diz somente: "Obrigado por ter nascido". Detalhe: ela fala isso no contexto onde aquele pode ser o último momento com seu filho, o que justifica sua recusa em criar maiores laços afetivos com aquela criança. Ao mesmo tempo, os dois homens que acompanham essa mulher e seu bebê, a todo momento, parecem ser, de alguma maneira, pais do menino, como se estivessem também em busca de alguma conexão afetiva.
Em "Broker", o abandono (ou a tentativa de abandono) é constante. Nesse sentido, mesmo aquelas casais que aqui tentam adotar um bebê, ilegalmente, se for o caso, impõem inúmeras regras como não querer que a criança tenha contato com a mãe biológica, ou simplesmente apontar defeitos estéticos nele. Ou seja, até as melhores das intenções podem vir carregadas de exclusão e de abandono. É como se pra uns a família fosse um grupo fechado, e pra outros, algo mais amplo, mais acolhedor, menos excludente.
Por isso, o diretor Hirokazu Kore-eda nunca deixa d lado nenhum personagem. Todos têm seus momentos íntimos para entendermos suas motivações, seus desejos, suas ações. Na verdade, ele faz questão de humanizar muito aqueles dramas ali retratados, o que muitas vezes, acontece por uma linha de diálogo simples, que não precisa ser necessariamente expositivo, e que pode até dizer algo, mas, querendo falar outra coisa. É de uma sutileza belíssima.
"Broker" traz para o debate bem mais do que o velho clichê "família é quem cria" ou "pai e mãe só têm dois". Ao abordar essas complicadas relações envolvendo paternidade e maternidade, o filme mostra que, no final das contas, o que a sociedade faz é julgar fulano ou ciclana, independente de qualquer contexto, impondo convenções sociais rígidas, e (por quê não?) impedindo a felicidade das famílias (sejam elas cosanguíneas ou não).
Nota: 8,5/10
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