DICA DE FILME (Sargento Getúlio)

Dica de Filme


Título: Sargento Getúlio
Ano de lançamento: 1983
Direção: Hermano Penna



O Brasil áspero e cru em nome de um dever vazio

A história de Sargento Getúlio (baseada no livro homônimo de João Ubaldo Ribeiro) se passa no final dos anos 40, mas, poderia ser o Basil de 2024. Isso porque o filme retrata, entre tantos temas, os microcosmos de poder que se impõem pela violência, pela lei do mais forte. Poderia ser numa na aridez do interior do país ou na perifeia dos dias atuais. Essas relações de poder estão completamente inseridas na trama, onde o protagonista, Sargento Getúlio, vê-se na obrogação de um dever que precisa cumprir, e que vai perdendo cada vez mais o sentido: escoltar um prisioneiro político. 

O tempo passa, e Sargento Getúlio, um homem brutalizado pelo seu meio, já não precisa mais seguir a tarefa que o seu patrão lhe incumbiu. Ele não precis mais escoltar aquele prisioneiro político. Mas, ele simplesmente não consegue. Acha que só tem a ele, o seu senso de dever e a sua coragem para se impor no mundo, e não vai parar, mesmo que isso custe a sua vida. Muitos chamariam de ignorância, ou de mera teimosia. Porém, a história sempre resslta que Getúlio, muitas vezes, olha para a vida e para as relações humanas de forma simples. Brutalizada e violenta, contudo, simples. 




As relações aqui são muito pautadas pela violência, pela submissão da pistola. Mas, também há espaço para amizade, mais particularmente, entre Getúlio e Amaro. Ambos são amigos genuínos, e que passa, acima de tudo, pela lealdade. Mesmo parecendo saber que a tarefa de Getúlio é inútil, Amaro continua seguindo o companheiro. Já a relação dos dois com o prisioneiro é de pura desumanização. O tempo todo espezinham aquele homem, torturam-no, tratam-no pior que a um bicho, o que gera uma contradição incômoda: numa hora, aqueles homens estão rindo, felizes, e, imediatamente após, estão arrancando os dentes daquele prisioneiro. 

Ao mesmo tempo, Gentúlio tem interlúdios internos, reflexões íntimas, que não consegue externar. Em determinado momento, angustiado, tenta xingar o seu prisioneiro, mas, não tem nem mais palavras para isso, A palavra tem poder, e o seu poder (diante daquele homem extropiado que ele está levando, mas, também no meio do ambiente árido onde sempre viveu) está cada vez menor. Ele sabe das contradições da vida, mesmo que pareça, muitas vezes, que não tenha o discernimento pra identificar as causas de sua angústia e mudar. Uma alma atormentada e triste, que não consegue ir além do que as suas limitações permitem. Esbarra na violência, que é uma das poucas linguagens que ele expressa.

Claro, para interpretar um personagem tão complexo e cheio de camadas, seria necessário um ator que encarnasse Sargento Getúlio com toda a fúria que fosse necessário. E, Lima Diarte consegue. Diria até que ele está hipnotizante em cena, seja na forma como declama as falas, na sua fisicalidade ou nos seus momentos mais íntimos, de introspecção. É tanta entrega por parte do ator que nós, espectadores, "estamos" ao lado de Getúlio a cada momento de pequenas alegrias, e na angústia de grandes sofrimentos. A direção precisa de Hermano Penna reforça, brilhantemente, isso, 




Ao final, podemos dizer que Sargento Getúlio é um personagem trágico, tanto na visão vulgar o termo, quanto na concepção de que o nosso destino não nos pertence (mesmo se lutarmos muito). Ainda assim, Getúlio tenta, com sua potência de viver, com suas visões brutalizadas, continuar e seguir com um sendo de dever que não tem mais sentido. Em um determinado momento, ele diz: "Eu não quero que o mundo mude". É uma resistência contra a mudança, que, na verdade, também é uma versão mais do mesmo do passado. O homem simples, bruto e cru se angustia e não se sente mais parte do mundo. 

O livro que gerou o filme é dos anos 60, quando o Brasil passava por uma "modernização forçada", que, invariavelmente, gerou grandes desigualdades e violências. O longa-metragem, por sua vez, é dos anos 80, quando o país ainda estava sob o julgo da ditadira militar, que pregava também uma "modernização forçada", mas, pregando valores tacanhos do passado. Hoje, o país passa por contradições similares, e, por isso, Sargento Getúlio, talvez ainda continue atual, em suas simbologias de relações de poder baseadas na violência mais brutal. 

Sargento Getúlio está completo no YouTube: 



Nota: 10/10


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