DICA DE FILME (As Bestas)
Dica de Filme
Título: As Bestas
Ano de lançamento: 2022
Direção: Rodrigo Sorogoyen
A violência da sociabilidade masculina levada ao limite
Até que ponto pode ir o caprocho de um homem? Ao mesmo mesmo, qual o limite da brutalidade de outros homens relagados à miséria, e sem perspectiva? Digamos que essa seja a espinha dorsal que sustenta a história de As Bestas, pois, é por meio desse conflito de ideias e objetivos que vão surgir as maiores violência, onde o instinto mais primal do ser humano pode acabar prevalecendo. Só que, no filme, isso é bem pontuado dentro do universo masculino, e isso vai fazer todo o sentido no seu final, da interação rápida, mas, significativa, entre duas personagens mulheres.
Não que As Bestas seja um panfleto explícito contra a culta machista/patriarcal, porém, de forma, algumas vezes, até sutil, mostra o quanto o "jeito de ser" de boa parte dos homens complica a vida deles e de quem os cercam. Algo parececido com o que é mostrado no excelente E, Agora, Aonde Vamos?, por exemplo. Ou seja. um retrato pontual, localizado, porém, significativo, de como a sociabilidade masculina, da forma que é ensinada de maneira ainda arcaica e reacionária, leva a atritos e tensões que poderiam, objetivamente, ser facilmente resolvidos. No entanto, como muitos só aprenderam a agir assim, essa é a única maneira que entendem de interagir entre eles, o que, inevitalmente, pode levar a tragédias, seja nas disputas religiosas de E Agora, Aonde Vamos?, até uma (em tese) simples vender de um terreno em As Bestas.
A história se passa no interior da Galícia (Espanha), onde vemos um casal francês de meia idade, Antonie e Olga, que se mudaram há pouco tempo para lá, e mais por desejo (e, de uma certa maneira, imposição) de Antonie, ambos decidem viver ali, com uma horta própria, consertando casas antigas e abandonadas do vilarejo para que outras pessoas possam morar ali também, enfim, uma vida aparentemente pacata. Acontece que uma indústria epolica resolve se instalar no local, e, entre os poucos moradores do vilarejo, Antonie é o único que não assina um acordo de indenização, primeiro, por julgar que o valor é abaixo do que o local vale, e segundo, porque ele pretende morar ali. É um sonho seu. É então que entra em conflito com seus vizinhos, em especial os irmãos Xan e Lorenzo.
As Bestas parte de um pressuposto relativamente simples (desavenças entre vizinhos) para falar algo a mais, para dissecar um problema mais profundo. Ou, mais precisamente, como os homens resolvem suas contendas, mesmo que hajam pontos razoavelme certos em ambos os lados. Em suma, a irredutibilidade diante da teimosia, agravada, entre outras coisas, pelas condições materiais daqueles que moram no vilarejo desde que nasceram, e não possuem perspectiva de melhora. Mas, o filme, dentro desse escopo, ainda fala sobre outras relações aqui, como as de marida e mulher (Olga, em muitos momentos, mostra-se submissa aos caprichos de Antonie) e entre pais e filhos.
Porém, o principal ponto é mesmo a forma como homens se sociabilizam, muitas vezes, se forma ríspida, brutal, desrespeitoda e, em última instância, violenta. Tanto é que em determinado momento há uma mudança de foco entre personagens, o que faz bastante sentido, pois, se em um primeiro momento, estávemos acompanhando as tentativas frustradas de interação entre homens completamente diferentes (mas, no fundo, nem tanto), após certo acontecimento, é Olga quem passa a tomar maior espaço de tela, e agora passamos a ter uma visão mais feminina sobre aquela situação. Algo que, inclusive, intensifica-se com a chegada de sua filha ao vilarejo e de uma fala muito simbólica, já no final, com a mãe de Xan e Lorenzo, em tese, as "bestas" do título.
Em outras palavras, é como se os homens, criados em uma cultura pra serem brutos, viris e "machos", não conseguissem ir além das hostilidades mútuas para resolverem seus problemas, o que "sobra" para as mulheres a árdua tarefa de juntar os cacos da contenda, ou simplesmente lidar com as consequências impensadas de seus maridos, filhos, irmãos, ou qualqier outro homem da família. É como se As Bestas, em sua segunda metade, complementasse a mensagem que está querendo passar: a impossibilidade de sociabilidade entre os homens em determinados meios e circunstâncias. Não é à toa que o tom dessa segunda parte é mais melancólico, mais triste, em contrapartida ao clima mais violentamente tenso de antes.
No fim, o que sobra é a inevitabilidade da tragédia, a brutalidade e a bestialidade como únicas formas de linguagem por pessoas já bastante animalisadas. Os homens da histórias não conseguem resolver suas desavenças, e a violência é só uma questão de tempo. Ela vai acontecer. Enquanto isso, as mulheres, entre o papel de sumissas diante dos caprichos de um marido sonhador, e da dureza de uma pobreza que se estende por uma vida inteira, ficam à margem dessa brutalidade, onde elas sofrem sem voz ativa, sem suas opiniões serem levadas em consideração. Não à toa a primeira cena do filme mostra justamente homens tentando domar um cavalo selvagem, algo que, simbolicamente, também reflete o íntimo deles, igualmente selvagem.
Em suma, As Bestas é um retrato bem incômodo de como os homens tentam resolver problemas simples pelos meios mais tortos, e como as mulheres ao redor empenham-se em remediar algo complicado: a sociabilidade masculina que nos transforma em feras irracionais.
Nota: 8,5/10
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