Dica de Filme (Uma Casa em Jerusalém)
Dica de Filme
Título: Uma Casa em Jerusalém
Ano de lançamento: 2023
Direção: Muayad Alayan
As lembranças de horrores que assombram o presente
Uma casa deveria ser um lugar de afeto, de boas lembranças. Mas, devido à dura realidade ao redor (como a guerra, por exemplo), uma casa também pode ser um espaço onde lembranças trágicas ficam impregnadas em cada parede, em cada cômodo, como uma doença não curada. É o que acontece aqui, no filme Uma Casa em Jerusalém, onde o novo lar de Rebecca e seu pai foi palco de um massacre ocorrido décadas atrás, quando palestinos foram explusos de suas casas em 1948, na época, criação do Estado de Israel. A pequena Rebecca (por enquanto) não sabe do passado daquela casa, adquida pelo seu avó. Mas, algo está ali, uma lembrança ruim. O que esse algo busca? Redenção? Vingança? Paz?
Uma Casa em Jerusalém opera na lógica de histórias de casas mal-assombradas pela construir um drama sobre como as lembranças podem não só afetar pessoas, mas, lugares. A própria Rebecca tem uma história trágica em família, que ela e o pai tentam superar, mas, que naquele ambiente, ao contrário, farpa aflorar mais ainda. O filme é bem articulado ao traça paralelos entre Rebecca e o possível fantasma que aparece ali. Ambas tiveram perdas na família, só que em condições diferentes. Ambas são figuras solitárias, apegadas aos pais. E, ambas não conseguem esquecer o passado.
Um dos pontos mais simbólicos do filme (e que representa bastante sua mensagem) é um poço com água, que fica no quintal da casa. É ali que se esconde o possível fantasma da história, e, não à toa, mais pra frente na trama é selado pelas autoridades de Jerusalém, responsáveis por impedir que qualquer palestino do campo de refugiados de Aida permaneça na cidade. É como se aqu nelas autoridades ali (responsáveis sireta e indiretamente por massacres no passado e ndo presente) precisassem esconder seus crimes bem fundo em um poço; lembranças trancadas para nunca mais voltarem à tona. Inclusive, os homens fardados que aparecem aqui também fazem paralelo com os soldados que massacraram palestinos naquele local décadas atrás. Uma eterna repetição do passado.
Além disso, uma das poucas coisas que une Rebecca aquele "fantasma" e seu passado trágico é uma boneca, um dos poucos objetos que sobraram, pois, todo o resto, com exceção da casa, foi destruído ou vendido. É como se aquela boneca fosse um dos únicos resquícios de memória; uma memória que tenta ser aniquilada a todo custo, mas, que, de alguma forma, permanece viva, mesmo que suja, maltrapilha, jogasa no lixo, trancada fundo num poço para ser esquecida. É uma metáfora poderosa.
Para além disso, a figura de Rebecca também representa esse olhar de hoje, onde muitos estão alheios aos horrores de épocas atrás, e também ao que acontece hoje, Não é por acaso que um dos momentos mais reveladores do filme é quando a menina foge para se encontrar com alguém no compo de refugiados de Aida, em Belém. É quando ela tem contato com um pouco desse passado para entender o presente por meio das memórias de uma determinada pessoa. Por snal, Uma Casa em Jerusalém é, acima de tudo, uma história de memórias, como lidamos com elas, como moldam quem somos, e como preservar as memórias coletivas também é importante para compreender que horrores (como o massacre atual de palestinos) também são construções históricas.
Ou seja, Uma Casa em Jerusalém também é um filme político em essência, além de um bonito drama sobre memórias, amadurecimento e luto. Dado o atual horror pelo qual os palestinos estão passando, também é uma abstração artística para o público encarar um pouco da tragédia de Gaza, por exemplo, sem precisar encarar a banalização da violência, reforçada pelos meios de comunicação que tornam tragédias como essas algo sem reflexão, sem sensibilidade.
Que as memórias de tragédias do passado e do presente não sejam esquecidas, e que as vítimas delas encontrem algum conforto em meio à barbárie.
⭐⭐⭐⭐
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