dica de filme ("Canções de Amor")
Dica de Filme
Canções de Amor
2007
Direção: Christophe Honoré
A simplicidade e o inusitado se encontram neste alegre, triste e delicioso filme de Honoré
Alguns filmes são inusitados. Outros, são simples. Já, outros, de tão simples, são inusitados.E, é mais ou menos essa a linha que segue Canções de Amor, uma produção que parece ser comédia romântica, parece ser um musical, parece ser um drama, e no final, entrega tudo isso junto com bastante graça, leveza e carisma.
E, tudo isso sem apelar para soluções fáceis de roteiro, nem personagens caricatos ou irritantes. Ao contrário: praticamente todos os personagens aqui são interessantemente peculiares, cada um com as suas pequenas excentricidades, mas, bastante cativantes.
Logo de cara, somos apresentados a um engraçado e inusitado trio amoroso consensual formado por Ismael, Julie e Alice, todos com as suas particularidades bem definidas, e cada um bem consciente do seu papel nessa relação. Por si, essa premissa já daria uma bela história, mas, então o filme nos presenteia com outra característica sua: as músicas cantadas pelos personagens.
Sim, aqui temos um quê de musicais, porém, não se enganem, pois, aqui não se trata de um recurso pedante para arrastar a narrativa, visto que as letras das canções são muito bem compostas, e servem, de fato, para exprimir sentimentalidades um pouco mais intimistas, além de fazerem a história fluir de maneira mais orgânica.
Interessante ainda notar que, no tocante à construção dos personagens, todos, claramente, são bastante inteligentes e resolvidos de si, mas, nenhum mostra ser pedante, ou abre a boca para dizer alguma bobagem, alguma trivialidade. Inclusive, quando há acessos de ciúmes entre o trio, a questão é resolvida ali mesmo, sem grande problemas, seja com uma conversa sincera, seja com alguma canção expondo que pequenas picuinhas são exatamente isso: pequenas picuinhas.
Dá pra, rapidamente, simpatizar com todos os personagens, sejam os protagonistas, sejam aqueles que os circundam. Algo, inclusive, que faltou bastante no recente Me Chame Pelo Seu Nome, onde todos os personagens (incluindo os principais) pareciam falsos demais, sem autenticidade nas falas e ações.
Outro aspecto muito poderosos no filme Canções de Amor é como ele consegue mesclar perfeitamente uma estrutura de comédia romântica, com pitadas de musical, com um drama deveras pesado e carregado que desaba na cabeça dos personagens ao final do primeiro ato.
Só que, ao contrário do que possa parecer, a mudança de tom não é mal feita, nem sem propósito. É apenas a vida (ou a morte) seguindo o seu rumo natural, o que vai fazer com que isso teste relações afetivas e proporcione relevantes reflexões a respeito da efemeridade das coisas. Mesmo nos momentos mais tristes, alguns elementos peculiares continuam a se apresentar na produção, como os musicais, que, obviamente, agora estão mais tristes, mais depressivos.
Christophe Honoré conseguiu, com esse amálgama de temas, reflexões e estruturas fazer um filme incrivelmente coeso, que não causa estranheza em nenhum momento, com todos os seus elementos fixados na narrativa nos lugares certos, nas horas certas.
Muito ajudou também as atuações, em especial, do trio de protagonistas Louis Garrel, Ludivine Sagnier e Clotilde Hesme. Todos excelentes em seus papéis, não importa se falando seus textos ou cantando as canções. Canções, essas, por sinal, que mesmo possuindo quase sempre as mesmas sonoridades e arranjos (com algumas exceções), não enjoam, nem deixam a história cair na mesmice.
Acabam funcionando como uma espécie de bálsamo para acalentar a nós e aos personagens nos momentos mais duros e tensos desta que é, sim, uma história de amor, no final das contas, mas, também trata de luto e (re)descobrimento de valores.
Canções de Amor, dada a mistura de seus temas e estilos, tinha tudo pra dar errado, mas, deu estupendamente certo. É o tipo de filme que pode ser colocado no rol de inclassificáveis, mesmo que a sua espinha dorsal seja, propriamente, o amor em seus muitos níveis.
Uma pequena e tocante pérola do cinema francês recente, que, com suas peculiaridades, consegue dizer mais do que aquelas produções presunçosas que querem ser somente drama, somente comédia, ou somente seja lá o que for. Um dos grandes trabalhos do cineasta Honoré, sem dúvida.
NOTA: 8,5/10
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