DICA DE FILME ("GUERRA DOS MUNDOS")
Dica de Filme
Título: Guerra dos Mundos
Ano de lançamento: 2005
Direção: Steven Spielberg
Ótimo drama familiar tendo como pano de fundo a clássica história de H G Wells traz um Spielberg bem mais maduro e ousado do que se imagina
Há algumas coisas, mesmo no cinema mainstream, que nos surpreendem. O que esperar, por exemplo, de um blockbuster do já consagrado cineasta Steven Spielberg? Certamente, algo mais "família", embalado numa aventura movimentada e com efeitos visuais sempre competente, certo? Mas, no caso do diretor, sempre é bom ficar mais atento do que é mostrado na superfície, pois, em seus melhores trabalhos, ele traz um "quê" a mais, algo de instigante, que o faz se diferenciar da média.
Um exemplo claro disso é um dos seus trabalhos mais incompreendidos (este "Guerra dos Mundos"), que faz uma releitura do clássico de ficção científica de H G Wells, e que poderia facilmente ter caído em vários lugares-comuns, e ter se tornado um sucesso maior do que foi. Porém, pra certo desgosto de uma plateia viciada em produções clichês de invasão alienígenas, esse filme traz alguns elementos interessantíssimos a mais, sem descaracterizar a trama principal.
Talvez o maior "defeito" aqui seja a produção subverter expectativas, já que o "modelo" nas últimas décadas de blockbuster desse tipo é "Independence Day", que, apesar de divertido, é bem lugar-comum e previsível, além de ter todos os absurdos possíveis em termos de arroubos patrióticos, algo que se tornou padrão. Já no "Guerra dos Mundos" de Spielberg, a questão é mostrada de maneira bem mais intimista, tanto é que, apesar de algumas ótimas cenas de ação, podemos classificar o filme como um drama.
O roteiro chega a ser sagaz em muitos momentos. Escrito por David Koepp (que já havia trabalhado com Spielberg em "Parque dos Dinossauros") e Josh Friedman, ele sabiamente se concentra mais no íntimo, no pessoal, no microcosmo de uma família (mais precisamente um pai e dois filmes) do que na invasão em si. Na realidade, o horror ali acaba sendo um pretexto para a reaproximação dos entes daquela família, e boa parte do filme se passa com eles tentando sobreviver aquilo.
A construção desses personagens é bem sacana no sentido em que a trama os coloca em diversas situações extremas, onde vemos a personalidade de cada um, sem que isso não fique super expositivo. A simples, mas emblemática, cena do pai tentando fazer sanduíches de pasta de amendoim para os filhos, sendo que a menina é alérgica a esse alimento, é um bom exemplo de como podemos entender a dinâmica entre personagens sem que nada seja extremamente verbalizado.
E, o filme segue basicamente nessa toada, onde, na progressão de acontecimentos, os protagonistas precisam se escondem dos alienígenas, e ainda ter que lidar com a estupidez das pessoas em casos extremos (a sequência do carro cercado por uma multidão é bastante agoniante, e, de maneira forte e contundente, retrata o pior do ser humano em situações-limite, numa crítica muito bem-vinda nesse tipo de filme).
No entanto, também estamos falando de uma super-produção hollywoodiana, e que precisa seguir certos "convencionalismos", porém, mesmos essas partes são muito bem dirigidas e amarradas na trama. A cada aparição daquelas máquinas enormes (chamadas de "Tripods"), a tesão é tremenda, e os ótimos efeitos visuais garantem um deleite para os olhos, mas, sem soar como um Michael Bay da vida. Ao contrário: a computação gráfica é colocada em tela com parcimônia, nos momentos certos, e até de maneira inteligente (por entre uma fresta da parede, enquanto o ambiente ao redor é um simples porão).
Há até mesmo uma sequência que emula "Parque dos Dinossauros" aqui, que é justamente a que acontece no porão. Spielberg, então, brilha mais, e mostra talento de sobra ao criar vários minutos de tensão com o mínimo de esforço. Some-se a isso um roteiro que ainda aproveita para dar algumas alfinetas de leve (a frase "Isso não é uma guerra. É um extermínio" é bem emblemática, vinda logo após às desastrosas incursões dos EUA nos Oriente Médio pós-11 de setembro).
E, falando nisso, outra coisa que o filme evita ao máximo é o ufanismo exagerado. Acertadamente, aqui temos uma história de sobrevivência, pura e simples, onde o militarismo aparece pouco, e pessoas comuns precisam lidar com situações extremas, sejam alienígenas invasores, sejam pessoas enlouquecendo tentando escapar a qualquer custo. E, como toda boa ficção científica tem um recorte social preciso, aqui temos isso, seja em atitudes de certos personagens, seja em diálogos, aparentemente, descompromissados, mas, que carregam certa ironia.
💥ATENÇÃO: AVISO DE SPOILERS 💥
"Guerra dos Mundos", a despeito de seu ótimo senso de aventura e ação, e de suas situações tensas e bem trabalhadas, é muito criticado devido ao seu final "anti-climático". E é aí, talvez, a melhor coisa do filme. Ao apostar num desfecho onde os alienígenas morrem devido ao contato com os nossos microrganismos (bactérias, micróbios e vírus), a produção consegue, de maneira até ousada, evitar aquela catarse clichê na qual os heróis humanos (mais precisamente, estadunidenses) salvam o mundo, destruindo os invasores da forma mais inverossímil possível.
O mais interessante é que esse aspecto estava ali, no início do longa, quando ele mostrou cenas desses mesmos microrganismos, fazendo um paralelo muito bom entre eles e nós, seres humanos. Ou seja, além de ser uma releitura muito bem construída de um clássico atemporal, o filme não oferece uma solução fácil, e nem eleva tanto a moral dos protagonistas ao final da projeção, mesmo que eles sobrevivam. Um desfecho bastante ousado para uma produção desse porte.
💥 FIM DOS SPOILERS 💥
A visão de Spielberg e cia para para a mirabolante história de Wells pode não ter feito o sucesso que merecia, mas, certamente, está aí para ser vista e revista quantas vezes forem necessárias, e serem captadas todas as nuances de uma história mais intimista e cativante do que se imagina. Um autêntico drama familiar bem engendrado que faz boas críticas pontuais, mas que não esquece de entreter enquanto cinema pipoca. Um dos melhores filmes do cineasta dos anos 2000 pra cá.
Nota: 8,5/10
Lembro de ter gostado bastante na época. É um filme que faz uns questionamentos bem interessantes.
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