Dica de Filme
Domésticas
2001
Direção: Fernando Meirelles e Nando Olival
Domésticas
2001
Direção: Fernando Meirelles e Nando Olival
O cinema de cunho social no Brasil padece de duas coisas: uma é a falta de humor leve, deixando tudo muito sisudo e pesado (o que é até compreensível) e a outra (esta, bem pior) é o excesso de metáforas, um pedantismo absurdamente chato de um pessoal cult que tenta fazer críticas profundas, mas, acaba deixando tudo muito ridículo ("O Som ao Redor" é um bom exemplo). Já, "Domésticas", primeiro longa do cultuado Fernando Meirelles, escapa de ambas as armadilhas, e nos oferece um retrato simples, porém, contundente sobre a realidade brasileira, sendo engraçado, mas, fazendo críticas diretas, sem covardia.
Acompanhamos o cotidiano de diversas empregadas domésticas, e o mundo que gira ao redor delas. Mas, não só. O filme, em muitas ocasiões, também dá voz a todas, com elas se posicionando frente à câmera, falando de seus anseios, sonhos, preocupações. Um ótimo recurso para quebrar com a narrativa convencional, e dar um frescor extra às histórias de cada uma. Há a que é muito religiosa, a que é atrapalhada, e só vive perdendo os empregos, a que deseja ser modelo, a que vive infeliz no casamento, a que vive procurando por um namorado, enfim. Uma gama de personagens cativantes, que, de alguma forma, têm muito em comum, além do fato de serem domésticas.
Um ponto importantíssimo do roteiro é que ele não se presta a julgamentos morais. Existe aquela que é bastante religiosa, mas, que não é tratada como uma fanática incontrolável. Outro exemplo é da que quer ser modelo, e acaba seguindo outro rumo. E, como essas, há muitas outras que podem até ter suas falhas, só que não são julgadas por isso. Ao contrário. O filme serve como um bonito e eficiente mosaico da vida comum dessas pessoas, que, mesmo diante de tantas dificuldades, ainda encontram tempo para cultivarem sentimentos como o amor e a amizade. Gente como a gente, sem maquiagens ou filtros carregados.
Outra questão muito bem desenvolvida no roteiro é o humor. Mesmo que você identifique uma pesada crítica social, você também vai rir de diversas situações pelas quais as domésticas retratadas aqui passam, mas, nunca partindo para o mau gosto ou a baixaria. Trata-se de um humor natural, espontâneo, sem querer ser apenas engraçadinho, e sim, mostrando com leveza um dia-a-dia aonde todas precisa de uma certa dose de alegria pra continuam caminhando, mesmo em meio a tantas dificuldades.
Em termos de crítica social, o filme é um primor. Primeiro, porque ele não mostra nenhum patrão; a produção é das domésticas, e aqui só elas têm voz e vez. Isso faz toda a diferença, pois, o foco acaba sendo em pessoas das quais, muitas vezes, não percebemos que existem, ou que achamos que não possuem opinião própria, por exemplo. O choque vem do fato de expor que, muitas vezes, uma empregada doméstica pode ser até mais consciente do que o seu patrão. Essa quebra de paradigma, principalmente, nos dias de hoje, é muitíssimo bem vinda.
Mesmo econômica, a direção de Nando Olival, e, principalmente, de Fernando Meirelles consegue ser envolvente e ter estilo, já mostrando, mesmo que ainda timidamente, o que este último iria fazer, um ano depois, com o estupendo "Cidade de Deus". Atores e atrizes também encarnam muito bem seus respectivos papéis, sem precisar apelar pro caricato, em nenhum momento, forçando a mão numa caracterização pouco convincente. Também não dá pra não destacar a trilha sonora, composta exclusivamente de bregas das antigas e de rap, tudo muito bem amarrado com a narrativa.
"Domésticas" é, sem dúvida, um pequeno grande filme do cinema nacional recente. Não se presta a críticas fáceis ou rasteiras, nem quer agradar a um pessoal pseudo-intelectual, que vive fazendo mil e e uma teses sociais, sem nunca compreenderem nada. "Domésticas" é "povão", mas, "povão" inteligente, incomodado e que tem o que dizer. Mais ou menos o que "Que Horas Ela Volta?" fez e ano passado, só que, este, focado em apenas uma personagem. Prova mais do que clara de que o cinema nacional pode ir bem além dos cults e das comédias pastelão.
NOTA: 8,5/10
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