Dica de Filme
A Bela e a Fera
1991
Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise
NOTA: 8/10
A Bela e a Fera
1991
Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise
O PODER POR TRÁS DAS APARÊNCIAS
As fábulas sempre tiveram um quê de fascinante e de sinistro ao mesmo tempo. Passam, com facilidade, todo tipo de mensagem, mesma que esta não seja, necessariamente, feliz. É o caso da história presente num conto da escritora francesa Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, que fala, basicamente, da desgraça de um príncipe que, orgulhoso e sempre julgando tudo e todos pelas aparências, é amaldiçoado a se transformar numa fera horrenda, que desperta pavor nas pessoas deseu reino, passando a ficar confinado em seu castelo. Apenas com um amor verdadeiro entre ele e uma mulher que o encanto será quebrado.
E, é com essa premissa que foi feito um dos melhores desenhos dos estúdios Disney, que, mesmo apresentando algumas características em comum a todas as animações desse tipo, tem o seu brilho próprio, principalmente, por abordar um tema atemporal e universal, como o julgamento precipitado que fazemos dos outros. Mas, o interessante é que o desenho de "A Bela e a Fera" ainda encontra espaço para criticar a vaidade excessiva e a alienação coletiva, além de incentivar a ideia de que a leitura é algo importante, algo que, com certeza, dá a possibilidade da animação ser mais do que mera diversão para as crianças.
Todas esses fatores giram em torno de Bela, uma garota cobiçada por muitos de sua aldeia, em especial o excêntrico e narcisista Gaston. O roteiro acerta em cheio ao retratar esse personagem como uma pessoa bastante idolatrada entre os moradores da região única e exclusivamente por causa de sua beleza física, pois, já na primeira frase que ele dispara, percebemos o quanto ele é insuportável. Além disso, pretende se casar com Bela à força, inclusive, disparando falas machistas do tipo: "Mas, pra quê a mulher precisa ler? Lendo, ela começa a pensar demais!" Nesse aspecto, o enredo também acerta muito ao mostrar como Bela é ridicularizada na aldeia apenas por gostar de livros, e não raro, é chamada por todos de chata, estranha, metida a inteligente, distraída e meio maluca. Detalhe que os que dizem isso são pessoas bastante alienadas, vivendo suas vidas da maneira mais fútil possível.
Enquanto Bela dribla as estúpidas investidas de Gaston e tem que lidar com seus vizinhos um tanto invejosos, seu pai, um digamos, "cientista", prepara-se para levar seu mais novo invento para a cidade, quando, depois de ser atacado por lobos, vai parar no castelo da Fera, e lá, fica prisioneiro. Quando chega ao local, Bela se oferece para ficar no lugar do pai, e assim, ela e o "monstro" passarão a ter um convívio, de início, nem um pouco agradável. Bela, mesmo prisioneira, é orgulhosa e não permite ser destratada, ao passo que a Fera, mesmo, no fundo, aparentando ser uma boa criatura, mostra-se grosseiro e irritadiço todo o tempo. Só que apesar de improvável, a relação de ambos vai crescendo de maneira natural, nem um pouco forçada, e no tempo certo. Mais um ponto positivo para o roteiro.
Outro aspecto positivo a se destacar na história é a sua galeria de coadjuvantes muito bem estruturada e carismática. Lefou, o inseparável cupincha de Gaston, proporciona as cenas mais engraçadas da animação, como um autêntico bobo da corte para o qual foi concebido. Já, os amigos que Bela faz na castelo da Fera são um caso à parte. Todos são utensílios, como móveis, louças e por aí vai, que também foram transformados no processo da maldição. E, todos (acreditem) possuem uma personalidade bem distinta, com destaque para Lumière, um castiçal boa praça e que simpatiza com Bela logo de cara e o rabugento e paranoico Horloge, um relógio que acha que tem que zelar pela segurança do castelo a qualquer custo. Há também os simpáticos Chip e sua avó Madame Samovar, respectivamente, uma xícara e um bule.
Tecnicamente, a animação é um primor, tanto para a época, quanto para os dias atuais. As sequências do número musical dos utensílios e da dança entre os protagonistas no salão do castelo são um deslumbre visual. Só que, como nada é perfeito, algumas coisas atrapalham um pouco a experiência de (re)ver o filme hoje em dia, como o excesso de números musicais. São muitas as vezes em que seria necessário apenas que o roteiro se prestasse a uma sutileza maior, ou a uma imagem que sintetizasse determinada situação que já ficaria de ótimo tamanho. Ao invés disso, os personagens começam a cantar do nada, sem qualquer motivo, e, pior: com composições, na maioria, chatas e sem feeling para as cenas que retrata. Tudo bem que isso foi uma imposição do presidente da Disney na época, Jeffrey Katzenberg, que queria que fosse feito um musical de todo jeito. Mas, então, que as partes cantadas tivessem uma função mais importante para a trama, ou que fossem melhor compostas, pelo menos.
E, claro, temos, inevitavelmente, aquelas lições de moral típicas, no sentido de "...e, eles viveram felizes para sempre". Mas, convenhamos que certos clichês são meio que intransponíveis mesmo, o que, nesse caso, não desmerece tanto assim a obra. No entanto, tirando esses problemas periféricos, o que temos no centro é uma mensagem poderosa que fala sobre a importância de enxergarmos além da beleza física, além de dar uma ótima contribuição para incentivar a leitura. Indo até mais longe, a animação flerta, de leve, claro, contra a política do linchamento, mostrando que quem se propõe a isso não passa de massa de manobra para pessoas mais espertas e mal intencionadas. Só pelo fato de termos todos esses aspectos num desenho animado, já é motivo mais do que suficiente para vê-lo e revê-lo quantas vezes forem necessárias.
NOTA: 8/10
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