Dica de Filme
Mulan
1998
Direção: Tony Bancroft e Barry Cook
NOTA: 8,5/10
Mulan
1998
Direção: Tony Bancroft e Barry Cook
LIBELO FEMINISTA EM FORMA DE ANIMAÇÃO
Os desenhos animados possuem uma infinidade de possibilidades para se abordar inúmeros temas de maneira interessante. Infelizmente, essas possibilidades não são muito exploradas pelo cinema ocidental como um todo. "Shrek" deu uma nova perspectiva nesse aspecto, mas, a grande maioria das animações resvala naquele "mais do mesmo", e nas velhas lições de moral, que apesar de serem sempre as mesmas, poderiam ser tratadas de uma forma mais diferenciada. Mas, não são. Só que, em certas ocasiões, surgem aquelas produções que conseguem sair de sua zona de conforto, e mesmo que ainda tenham muitas características clichês das animações mainstream, conseguem fugir (um pouco) do padrão. É o caso de "Mulan".
O desenho é uma adaptação livre de uma lenda chinesa, chamada "Hua Mulan", e, justamente por isso, algumas alterações foram feitas para que a animação fica mais palatável ao público médio, mas, sem perder a essência de sua história em favor da liberdade das mulheres. Estamos na China antiga, em que a Grande Muralha acabou de ser erguida. Em retaliação ao império chinês, os hunos conseguem passar a muralha, e estão prestes a invadir o reino. O imperador, então, decreta que, pelo menos, um homem na família seja recrutado para lutar no exército. Em paralelo, conhecemos Mulan, que se prepara para um ritual que irá determinar se ela será ou não uma boa esposa.
É nesse momento que entram as boas intenções do roteiro, mostrando o quanto é ridículo, no final das contas, toda a preparação de jovens meninas para se tornarem esposas dedicadas. Todo vai de frases prontos ("Refletir antes de agir é uma escolha sábia") até simplesmente servir um chá ao seu companheiro. Claro, estamos numa típica produção da Disney, então, fica óbvio que Mulan não vai conseguir se adequar a todo esse ritual, e que, temporariamente, trará vergonha e desonra à sua família. No entanto, mesmo que vislumbremos cada passo do enredo, a narrativa é tão fluida e cativante que vamos nos envolvendo na história a medida que o tempo passa. Nisso, nem ligamos para o artifício fácil do roteiro, que mostra o pai de Mulan sendo recrutado para o exército, mas, ferido em batalhas passadas, é sua filha quem assume sua lugar (escondida dos pais, claro).
A partir daqui, a animação equilibra bem humor, aventura e drama. As partes engraçadas ficam por conta do histriônico Mushu, em pequeno dragão enviado pelos ancestrais de Mulan para defendê-la. Com a voz original de Eddie Murphy, o personagem funciona tão bem quanto o Gênio da Lâmpada, em Aladdin, "interpretado" por Robin Williams. Não é exagero dizer que o pequeno Mushu rouba a cena (positivamente) sempre que aparece, mesmo com sua persona irritante e falastrona. O roteiro também é bem coeso ao mostrar as dificuldades que Mulan enfrenta para se "infiltrar como homem" no exército, desde o seu treinamento, até quando chega ao campo de batalha, propriamente dito.
E, quando a aventura propriamente dia começa, é de tirar o fôlego. Muitos devem se lembrar da estupenda cena da manada de gnus em o "Rei Leão", não é? Pois, temos aqui algo semelhante, quando o exército dos hunos desce as encostas de uma geleira, numa sequência que não deixa nada a dever à trilogia de "O Senhor dos Aneis" (só que com menos violência, evidentemente). Se há algo a lamentar, é o fato de não termos um vilão mais bem elaborado aqui. Sim, Shan-Yu é um típico bandido, implacável, sanguinário, impiedoso. Mas, só. Acaba sendo muita pose pra pouco conteúdo. No geral, até que se encaixa bem na proposta de ser o antagonista dessa trama em específico, mas, no final, é só mais um vilão clichê entre tantos outros que já vimos por aí.
A grande qualidade de "Mulan" está mesmo na mensagem de seu enredo, principalmente, porque foi feito num período em que a luta das mulheres por direitos ainda não estava tão enraizada na cultura pop, o que pode conferir, facilmente, à animação a alcunha de pioneira ao abordar uma heroína despida de alguns estereótipos, e se mostrando mais forte do que os homens da história, além da "ousadia" de que é ela quem os salva. Ao mostrar que, quando as tradições oprimem mais do que libertam, elas precisam ser repensadas, o desenho acaba por ser produção de teor bastante feminista, apresentando uma mulher como um dos mais honrados e valentes heróis da Disney. E, isto é ótimo, pois significa representatividade para as meninas de várias gerações que assistirão "Mulan", e verão na protagonista um bom exemplo a ser seguido.
Apesar de tudo, não esperem nada que seja muito "fora da caixa" em relação à outras animações que vemos a cada temporada. Este desenho ainda é pontuado por alguns lugares comuns, típicos dos estúdios de Mickey, como os números musicais, que, às vezes, deixam a narrativa travada e sem ritmo. Ainda temos animais falantes, muitas piadinhas, e muitas outras coisas do tipo. Afinal, o público médio ainda se diverte com isso. Porém, a mensagem, que é o principal, consegue ficar,. E, tudo graças a um roteiro ágil, que mescla personagens cativantes com situações dramáticas na medida certa, que fazem a protagonista tomar decisões importantes (e, acertadas), sem nada soar inverossímil. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que tanto o desenho "Mulan", quanto a sua heroína, estão a frente de seu tempo. E, isso, convenhamos, já é um belo avanço.
Comentários
Postar um comentário