DICA DE FILME ("POSSESSOR")
Dica de Filme
Título: Possessor
Ano de lançamento: 2020
Direção: Brandon Cronenberg
A crise de identidade levada a extremos
A família Cronenberg parece ter aversão ao corpo humano. Pelo menos, seu patriarca, o grande David, faz excelentes filmes onde um dos motes principais é a imperfeição do nosso corpo, enquanto organismo vivo, e sujeito a mutações, doenças e todo tipo de deformidades.
Bem, ao que tudo indica, o filho dele, Brandon, herdou esse tipo de ojeriza, já que o seu primeiro filme ("Antiviral") tem muito dessa questão de falar de uma sociedade doente tendo como ponto de partida o lado mais grotesco dos nossos corpos.
E não é nem um pouco diferente aqui em "Possessor". Na verdade, o cineasta faz um trabalho melhor em seu segundo longa, ao trazer questões ainda mais intimistas para o debate, como crise de identidade e a nossa falta de sociabilidade como um todo. Nada tão complexo assim, porém, abordado de maneira bem instigante.
Numa trama que mistura terror e ficção científica, vemos aqui uma organização que, literalmente, "possui" o corpo e a mente de outras pessoas que estas cometam os assassinatos que foram encomendados a ela. Demora um pouco pra entendermos a lógica desse processo, e o filme não dá muitos detalhes, o que é bom também, pois, deixa uma aura de mistérios no ar.
A produção se vale muito de paletas de cores fortes (especialmente o vermelho) para passar toda a sensação de desespero que alguns daqueles personagens passam. Por vezes, a câmera intercala imagens rápidas, o que dá a sensação de paranoia total. Não é um recurso original, mas, dentro do contexto da trama, funciona bem.
E, claro, como estamos falando do filho do renomado David Cronenberg, podemos esperar muito gore em algumas cenas pontuais. Nada muito exagerado, no final das contas, mas, tem alguns momentos que angustiam por conta dos detalhes que são mostrados.
O filme, contudo, não é desprovido de falhas. O roteiro possui muitas facilitações para garantir que tal personagem chegue até determinado ponto, o que talvez incomode a plateia mais exigente. Ainda assim, a direção segura prende a nossa atenção e nos choca nos momentos certo, enquanto que os atores estão bem em seus respectivos papeis, apesar de não haver nenhum grande destaque.
Talvez tenha faltado a "Possessor" só um pouco mais de ousadia (no conteúdo, e não na forma). De fato, visualmente, trata-se de um filme chocante e perturbador, e pontualmente, trata de uns assuntos bem interessantes. Mas, o roteiro poderia ter explorado ainda mais essa questão da crise de identidade que alguém tem ao possui o corpo e a mente de várias pessoas, várias vezes.
É um assunto intrigante e que renderia, pelo menos, mais uns 40 minutos de filme, ou mais. Aqui, o que é mostrado é interessante, mas, na maior parte do tempo, o tema é tratado muito nas entrelinhas, na superfície. Claro que isso também serve para que o espectador tire suas próprias conclusões, mas, apesar de ótimo, o filme parece que termina incompleto.
Ainda assim, "Possessor" dá um passo a mais para a promissora carreira do cineasta, que já provou que não está interessado em fazer filmes de fácil digestão. Que mais provocações de sua mente insana continuem a produzir obras fora da curva como esta.
Nota: 8/10
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