DICA DE FILME ("MEU PAI")

Dica de Filme


Título: Meu Pai
Ano de lançamento: 2020
Direção: 
Florian Zeller



O terror de não confiar, sequer, na sua própria mente

A velhice é um momento que guarda diversas facetas. Tanto pode representar um período mais tranquilo de nossas vidas, como pode ser algo de grande angústia. Chega a ser assustador pensar que o que vai determinar isso seja simplesmente a nossa mente. Ou mais precisamente: o quão ela estará saudável para identificar o que é real ou não, e em quem confiar (ou não). 

É basicamente usando dessa premissa que o cineasta francês Florian Zeller estreia no cinema com um dos melhores filmes do ano: "Meu Pai". 

O longa se desenvolve muito bem a partir da relação de Anthony, um senhor já bastante e sua filha, Anne. Ela quer que ele vá para uma casa de repouso, já que se sente cansada por estar cuidando dele há tanto tempo. 

Já Anthony se recusa a abandonar seu apartamento. Mas, a medida que tempo passa, sua saúde (principalmente mental) piora, e ele começa a ter dificuldade em distinguir o que é real e em quem confiar, o que lhe causa profunda angústia. 




"Meu Pai" poderia cair facilmente nos velhos clichês de histórias que abordam relacionamentos de filhos com pais idosos, porém, aqui, a situação vai ganhando uma complexidade maior, especialmente pelo fato de começarmos a ver o mundo pelo o que Anthony vê. 

Ficamos tão desorientados e confusos quanto o personagem, o que é reforçado brilhantemente pela direção esperta de Zeller, e pela edição, que ora mostra uma coisa, ora mostra outra em contextos diferentes, mas que, no fundo, são a mesma coisa. 

Como espectadores começamos a questionar o que é real e o que é imaginário ali, ao mesmo tempo que não deixamos de nos importar com Anthony, principalmente quando vislumbramos um pouco da sua personalidade nas interações com a filha e com as demais pessoas que transitam em seu apartamento. 

Essa (proposital) desorientação é muito bem arquitetada pelo roteiro, que, inclusive, sabe a hora de parar de mostrar esse artifício para se concentrar naquilo que é real de fato, e quando esse momento chega, é devastador. 




É interessante que com o roteiro nos faz questionar tanto a forma ranzinza como Anthony, às vezes, trata as pessoas ao seu redor, como também os faz questionar muitas das atitudes de sua filha Anne, mesmo que pareça, em muitas ocasiões, que o que estamos vendo ali não condiz com a realidade. 

A estrutura do filme é montada com muita cautela e também com muita sensibilidade. A principal questão levantada aqui é o sentimento de abandono e solidão na velhice, que tanto podem ser representados por um estado mental cada vez menos saudável, como também por uma família que "precisa" cuidar da sua vida.

Ou seja, não se trata só de um estudo de personagem, como também de um estudo sobre uma condição da vida agravada pela passagem do tempo. O fato do filme ser bastante teatral, calcado nos diálogos, reforça ainda mais a sensação de desespero, solidão e clausura pela qual Anthony está passando. 

Só reforçando que o roteiro de "Meu Pai" é baseado numa peça de teatro escrita pelo próprio diretor, o que de fato faz todo o sentido, e mesmo que sejam coisas completamente distintas, o filme nunca soa maçante, chato ou desinteressante. Isso porque o cineasta teve a habilidade de saber como conduzir a câmera a os diálogos para nos deixar engajados naquela história. Um belo trabalho, diga-se. 




Mas, de todos os elementos, são as atuações as que mais se destacam. Olivia Colman, por exemplo, está perfeita como a filha de Anthony, Anne, uma mulher cansada de ter que cuidar do pai, e que nem por isso, deixamos de questionar muitas das suas ações. E a atriz passa isso com uma verdade incrível. 

Porém, o filme "é" de Anthony Hopkins. Seu personagem xará, mesmo desorientado por algum tipo de doença, e com um grande trauma recente, consegue ter carisma, mas também passa, nos momentos certos, uma vulnerabilidade desconcertante. Há bastante tempo, Hopkins não nos brindava com uma atuação tão poderosa assim. 

"Meu Pai" é um drama forte e carregado sobre um momento de nossas vidas que pode se transformar num horror completo, a depender da nossa própria saúde e de quem nos rodeia. É uma jornada angustiante, com um final destruidor. Um dos melhores filmes do ano. Indiscutivelmente. 


Nota: 9/10



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