Dica de filme ("O Beco do Pesadelo")

 Dica de Filme


Título: O Beco do Pesadelo
Ano de lançamento: 2021
Direção: Guillermo Del Toro



Os monstros, os selvagens e nós

O cineasta mexicano Guillermo Del Toro é um ótimo contador de fábulas. De fábulas, sombrias, diga-se. Em seus filmes, a violência, o bizarro e o grotesco são constantes. Mas, a diferença é que ao invés de coisas atrozes serem feitas por monstros sobrenaturais, com aparência escabrosa, o verdadeiro mal é cometido por pessoas comuns, que, seja por traumas do passado, ou por qualquer outra justificativa, são capazes de cometer barbaridades sem tamanho (quem consegue esquecer o Capitão Vidal de "O Labirinto do Fauno", por exemplo?). 

Isso faz com que muitos filmes de Del Toro sejam realmente "produções de monstros", onde a lógica de mocinhos e vilões é subvertida, mostrando toda a sordidez de pessoas que, aos olhos da sociedade, são cidadãos exemplares, ou simplesmente gente comum, que não seria capaz de cometer nada muito ruim. E é o que vemos justamente em seu mais novo filme, que, se não tem o mesmo carisma e força de algumas de suas produções mais recentes (como "A Forma da Água"), ao menos, é uma história bem contada sobre os meandros da sordidez humana. 



Um dos pontos mais interessantes (e, por que não, assustadores) de "O Beco do Pesadelo" é a figura do selvagem. Mais precisamente: o selvagem que é levado aquela condição. E pior: para o entretenimento mórbido do público em geral. Curioso notar que o longa se passa no início da Segunda Guerra Mundial, com o roteiro dando algumas piscadelas para o espectador sobre isso. Através disso, podemos ter o insight: a forma sórdida com que algumas pessoas agem no filme não se diferencia muito do que os nazistas estavam fazendo naquele momento, por exemplo. 

Claro, o filme não expõe esse paralelo de forma tão explícita e óbvia, mas, não deixa de ser simbólico que um dos personagens trate algumas pessoas piores do que a um animal, tirando delas qualquer resquício de dignidade, e, por fim, de toda a sua humanidade. Além de tratar a vida humana, em geral, como objeto de zombaria, de experiências mórbidas e como forma de lucrar. Um retrato pessimista da sociedade, sempre disposta a perpetuar relações de poder onde hajam aproveitadores e aproveitados.  

Inclusive, o protagonista, o vigarista metido a médium Stan Carlisle, é um desses aproveitadores. Mas, também não é tão simples assim, já que ele possui um passado nebuloso, e que envolve principalmente a figura do pai. Passado, esse, que virá à tona em breve, e que explica muitas de suas atitudes, porém, sem jamais justificá-las. Não é um personagem necessariamente carismático, com quem qualquer um se identifique. Mesmo com alguns poucos lampejos de bondade, Stan quer apenas sobreviver neste mundo, mesmo que tenha que pegar os medos e anseios das pessoas, e transformá-los em lucro e fama. 




A narrativa de "O Beco do Pesadelo" segue um caminho bem lento (talvez, lento até demais em alguns momentos), construindo gradativamente as situações e, principalmente, as relações dos personagens entre si. Em determinado momento, podemos questionar: quem se aproveita de quem? Qual verdade buscamos para tornar a vida mais suportável? Quem é o verdadeiro selvagem? São reflexões bem pontuadas no roteiro, e que fazem bastante sentido dentro daquela trama. 

Como contador de história, Del Toro é minucioso, mas, comete alguns erros aqui, às vezes, esquecendo-se de ser um pouco mais enxuto e conciso. Com menos tempo de duração, muitos dos seus filmes falaram mais, e de maneira mais forte e pesada. Ainda assim, o cineasta mexicano mostra que consegue manter o interesse do espectador, fisgando-o nos momentos certos, especialmente quando a história começa a dar sinais de cansaço. 

Os atores estão funcionais, nenhum sendo necessariamente mais superlativo do que o outro. Bradley Cooper, por exemplo, cumpre bem o papel de representar um homem mesquinho, arrogante e (muitas vezes, asqueroso), mas, nos causa certa empatia em alguns momentos. Cate Blanchett  e Toni Collette não vão muito além do que o roteiro pede, enquanto Rooney Mara faz bem uma personagem meio perdida em seus propósitos que não consegue se desvencilhar da relação conturbada com Stan. E Willem Dafoe é Willem Dafoe (ou sempre, sempre ótimo). 




Mesmo não estando entre os seus trabalhos mais inspirados, "Beco do Pesadelo" ainda é um ótimo filme dentro da carreira de Guillermo Del Toro. Especialmente por reforçar bem a ideia que permeia praticamente toda a sua filmografia: a de que o ser humano é o verdadeiro monstro a ser combatido. E que muitos dos que são taxados de selvagens foram levados a essa condição. Não é uma visão bonita das pessoas. Mas, ajuda a confrontar ideias romantizadas sobre nós mesmos. 


Nota: 8/10



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