Dica de Filme
O Enigma de Kaspar Hauser
1974
Direção: Werner Herzog
"Eu não entendo como vocês podem acreditar num Deus que do nada fez tudo. Antes de aceitar cegamente uma fé eu preciso aprender a ler e escrever, e aí sim entender o que isso significa".
"A única coisa interessante em mim é a vida".
"Detesto igrejas, pois os cantos desses fiéis são infernais. E, quando eles finalmente se calam, o pastor começa a gritar".
NOTA: 10/10
O Enigma de Kaspar Hauser
1974
Direção: Werner Herzog
O cineasta Werner Herzog é mais conhecido por obras-primas como a refilmegem de "Nosferatu", "Crepúsculo dos Deuses" e "Fitzcarraldo". Porém, existe um filme seu, que é mais desconhecido, mas que pode ser considerado seu grande momento. Trata-se de "O Enigma de Kaspar Hauser".
A estória, por si, já é intrigante. Um jovem e assustado Kaspar Hauser é deixado sozinho numa praça por um senhor. Permanentemente imóvel, ele só possui a roupa do corpo, mais uma carta numa mão e seu chapéu e um livro de orações na outra. Os moradores do local então o recolhem e começam a cuidar dele. Descobre-se que Hauser foi criado desde pequeno num calabouço, e que só agora, possou a ter contato com o mundo externo e com as pessoas. No seu novo lar, ele começa a aprender das coisas mais simples (andar e comer) até as mais complexas (ler e escrever). O problema é que, por não ter filtros sociais da hipocrisia, ele passa a falar o que sente, causando muito desconforto a quem está ao seu redor.
Herzog, com essa premissa fascinante, supostamente baseada em fatos reais, conseguiu construir uma poética e pungente fábula sobre o desajuste social de muitas pessoas em se adequar a padrões sociais. É, mais ou menos, o que Tim Burton faria alguns anos depois com seu "Edward Mãos de Tesoura". No entanto, enquanto Edward prezava pela ingenuidade e um certo freak (características de Burton), Kaspar Hauser é mais ácido e irônico, mas não menos interessante e engraçado.
Inclusive, o ator que interpreta Hauser, Bruno S., é um espetáculo à parte. Desde suas representações faciais (com os olhos escancarados) até seus trejeitos corporais, passando por um indefectível sotaque alemão, Bruno compôs um personagem icônico e maravilhosamente cativante. Detalhe que ele não era um ator profissional, mas um "desajustado social", que aceitou fazer o filme. Além disso, as falas de Hauser também são de uma verdade desconcertante e um dos ponto altos do filme. Exemplos:
"Eu não entendo como vocês podem acreditar num Deus que do nada fez tudo. Antes de aceitar cegamente uma fé eu preciso aprender a ler e escrever, e aí sim entender o que isso significa".
"A única coisa interessante em mim é a vida".
"Detesto igrejas, pois os cantos desses fiéis são infernais. E, quando eles finalmente se calam, o pastor começa a gritar".
O roteiro também é um destaque, pois conta, sem grandes atropelos a estória de Kaspar Hauser de forma tranquila e direta. Preciso falar também da trilha sonora, que unida a fantásticas imagens oníricas e paisagísticas, conferem ainda mais força à narrativa, sendo quase um personagem avulso.
Talvez a parte que menos tenha gostado tenha sido a do final, onde é mostrada a autópsia de Hauser, na qual médicos encontram algumas anomalias em seu cérebro. Ora, até aquele momento, nenhuma explicação racional tinha "desvendado" a figura dele. Portanto, mostrar o espanto desses médicos diante de algo que nem eles sabiam como explicar ficou deslocado e desnecessário. Mas, isso é apenas um pequeno adendo diante de uma obra quase sempre estupenda.
"O Enigma de Kaspar Hauser" é poesia em estado bruto, um raro momento cinematográfico em que praticamente tudo deu certo, e onde seus realizadores se esforçaram ao máximo para comporem algo especial. De fato, essa é a grande obra-prima de Herzog, e uma das mais belas do cinema como um todo.
E, que, um dia, todas as pessoas sejam possuídas pelo mesmo senso de honestidade de Kaspar Hauser.
NOTA: 10/10
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