Dica de Disco

Carbono
2015
Artista: Lenine



Algumas coisas não são por acaso. Pra quem não sabe, o cantor e compositor Lenine é formado em Engenharia Química, e isso pode explicar, em parte, o título de seu mais novo álbum, "Carbono". Mas, de uma maneira mais simbólica, essa formação acadêmica deve lhe servir de base para arquitetar sua música de maneira a percebermos suas influências, e, ao mesmo tempo, realizar algo autoral e bastante inventivo. Engenhoso.

No entanto, desde "Falange Canibal", de 2002, ganhador do Grammy Latino de Música Pop Contemporânea, Lenine não lançava algo tão marcante. Discos como "Labiata" e "Chão" foram  interessantes, mas faltava o "algo a mais", a pegada certeira, a batida de um swing que instigasse o ouvinte. Eis, então, que surge "Carbono", e, mais uma vez, comprovamos estar diante de um dos grandes artistas brasileiros da atualidade.


O próprio Lenine diz que "uma das principais características do álbum reside na facilidade com que ele (o carbono) tem de se ligar outras coisas, formar outros elementos”. E, esse "ligamento" está perfeitamente equilibrado neste novo trabalho dele. Sua banda nunca esteve tão afiada, executando harmonias que se intercalam muito bem nas (sempre) interessantes letras e na inconfundível batida do violão de Lenine.

As duas primeiras faixas, "Castanho" e "O Impossível vem pra Ficar", familiarizam o ouvinte já acostumado à habitual sofisticação de sua música, ao mesmo tempo que aponta outras possibilidades sonoras, rítmicas. Mas, é na terceira canção, "A Meia-Noite dos Tambores Silenciosos", que temos a primeira ruptura do que, costumeiramente, escutamos em seus discos.


Essa faixa teve arranjos do baiano Letieres Leite, com a participação de seu conjunto, a Orkestra Rupilezz. Um mistura étnica fascinante, hipnótica. Bom que se diga que ela foi gravada ao vivo, com todos os músicos tocando juntos. Logo após, temos aquele que pode ser considerado, sem esforço, o melhor momento do disco: "Cupim de Ferro", faixa com participação da Nação Zumbi. Um incrível frevo elétrico com refrão pra se cantar junto.

"A Causa e o Pó" é parceria de Lenine com seu filho, João Cavalcanti, e já aponta um dos conceitos centrais do disco: a preocupação com o meio ambiente. Uma canção com sonoridade psicodélica, bem diferente, e que também merece destaque. Tanto quanto a canção seguinte: a belíssima "Quede Água", que critica de forma ainda mais direta a destruição da natureza e a escassez de recursos naturais por culpa do homem. Ah, os arranjos são sublimes.


"Simples Assim" é minimalista, tendo como primeiro plano o sempre competente violão de Lenine. Podemos dizer que se trata da balada do álbum. O que não deixa de ser novidade, já que ela foi composta em parceria com Dudu Falcão, o mesmo de "Paciência" e "O silêncio das Estrelas". E, segundo o cantor, é a única música que já existia antes de ele começar a pensar no novo trabalho.

A empolgante "Quem Leva a Vida Sou Eu", mesmo fazendo referência à famosa música de Zeca Pagodinho, prega contra a passividade e a inércia que nos impede de evoluirmos. Com uma sonoridade exuberante, é mais uma grande canção de um disco que, até agora, mostra-se impecável. E, chegamos quase ao fim do álbum com "Grafite Diamante", um puro rock'n roll, porém, com um naipe de metais fabuloso. Termina com um dedilhado de sax que dá a ela um toque especial.


"O Universo na Cabeça do Alfinete", penúltima canção do disco, talvez seja o ponto mais fraco do trabalho. E, vejam que ela foi composta em parceria com o habitual parceiro de Lenine, Lula Queiroga. Porém, faltou uma letra mais forte, ou até mais esperta, e uma sonoridade mais bem elaborada. Não é ruim, mas destoa de todo o álbum só por não ser magnífica, como as demais.

E, pra fechar, a instrumental "Undo", que também bebe na fonte do rock, assim como "Grafite Diamante". Uma canção despojada, gravada num take só, e que resume bem esse mais novo disco do Lenine: segurança. Inclusive, "Carbono" pode ser resumido também como um trabalho em família (literalmente). Afinal, tanto os coros, quanto os backing vocals de todas as faixas, foram feitas pelos três filhos dele: Bernardo, João e Bruno. E este último ainda assina a produção do disco, ao lado do pai e de Jr. Tostoi.

Depois de um trabalho como "Chão", que, de uma certa maneira, foi importante na carreira de Lenine para mostrar que ele poderia criar uma música mais introspectiva, sem tantas influências externas, ele volta "arretado", como um verdadeiro leão do norte, mostrando a essa rapaziada como se pode soar MPB, sem ser pedante ou clichê. Um disco, por sinal, que faz lembrar o antigo conceito de álbum completo, onde todas as músicas estão, de algum modo, intercaladas, unidas, formando um conjunto coeso.

Como se vê, Lenine aprendeu bem o ofício de engenheiro químico.


NOTA: 8/10

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