Dica de Disco

Blue & Lonesome
2016
Artista: Rolling Stones


No ocaso de 2016, um ano bem moroso em termos de música, eis que um dinossauro surge, rústico, empolgante e despretensioso. Sim, os Stones estão de volta, fazendo o que sabem de melhor. Mas, não esperem os arroubos juvenis de 40 anos atrás, muito menos, algo verdadeiramente revolucionário. Não, meus caros, os bons e velhos tempos de "Sympathy for the Devil" e "Satisfaction" estão no passado, devidamente registrados para todo mundo voltar a ouvir essas pérolas. Mas, não esperem escutar neste novo lançamento uma banda em franca decadência. Ao contrário, a categoria da banda transpira por todos os poros do disco, e, ao mesmo tempo que ela se mostra mais do que madura, também exalam aquele frescor de gente que está começando agora.

Composto só de covers dos bambas do blues, o álbum parece saído diretamente dos anos 50/60, porém, não soa a mera velharia. De cara, um som que salta aos ouvidos é o da gaita tocada por Mick Jagger, envolvente, compondo um belo alicerce para as primeiras canções ("Just Your Fool", de Buddy Johnson e "Commit a Crime", de Howlin' Wolf), que, rápidas na execução, dão o tom do que vamos encontrar ao longo do disco. É preciso dizer que a banda toda está um primor. Jagger continua com os seus trejeitos vocais inconfundíveis. Já, Ron Wood e Charllie Watts continuam com a classe de sempre; simples, mas, concisos. E, claro, há o eterno Keith Richards, literalmente, um sobrevivente do rock, e que aqui mostra o porquê é um dos guitarristas mais respeitados de todos os tempos.


Com duas músicas formidáveis abrindo "Blue & Lonesome", o jogo já fica ganho fácil. Prova disso, é a terceira faixa, que dá título ao trabalho, e que foi composta pelo lendário Little Walter. Trata-se de um blues sensacional, que, nas mãos dos Stones, ficou com uma sonoridade mais encorpada e emocionante. Igualmente um blues de rasgar a alma é "All of Your Love", de Magic Sam, cujas incursões de piano e gaita dão à canção um tom bem poeril. A agitada "I Gotta Go", novamente, de Little Water, com uma levada mais country, pode soar um tanto "datada", mas, convenhamos: possui um clima irresistível, possuindo forma e jeito de trilha sonora de algum filme ambientado no Mississippi.

O blues arrastado, passional, triste por natureza, volta a dar as caras com "Everybody Knows About My Good Thing", de Miles Grayson Lermon Horton, onde o senhor Richards, simplesmente, dá um show de feeling e carisma com a sua guitarra.  "Ride 'Em On Down", de Eddie Taylor, é uma das mais simplórias do disco, até por possuir uma estrutura bastante clichê do blues. Mesmo assim, é competente e dadas as excepcionais execuções anteriores, essa passa bem rápido, sem maiores transtornos. Até porque, somos brindados a seguir com a ótima "Hate to See You Go", mais uma vez, de Little Water, uma música que, na versão dos Stones, poderia pertencer, tranquilamente, a alguns dos melhores trabalhos do Black Crowes, devido ao seu swing e cadência.


"Hoo Doo Blues", de Otis Hicks e Jerry West, tem a "sujeira" dos melhores blues, unida a um som mais moderno, mas, que não destoa da canção, fazendo dela um dos melhores momentos do disco. Já, "Little Rain", de Ewart G.Abner Jr. e Jimmy Reed, é assustadoramente intimista, como se fosse um descanso à beira da estrada antes de voltar à viagem (seja ela qual for). Categoria ímpar. O álbum fecha com duas boas composições de Willie Dixon: "Just Like I Treat You" e "I Can't Quit You Baby", esta, famosíssima na versão do Led Zeppelin. Pra encerrar da mesma maneira que iniciou: instigante.

Os fãs mais ardorosos dos Stones talvez torçam o nariz por quererem um lançamento com material inédito da banda. Mas, enquanto, isso não acontece (e, isso é perfeitamente possível, já que os seus integrantes parecem ser imortais), é ficar com este "Blue & Lonesome", um trabalho honesto, simples, mas, feito com o esmero de quem conhece do riscado. Afinal, já são décadas de rock'n roll, e quem já foi rei, não perde a majestade. Recomendado para quem gosta de Stones ou de blues, ou, simplesmente, de boa música (o que, no caso, inclui-se os Stones e o blues juntos, fácil, fácil).


NOTA: 8/10

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