dica de disco ("Tranquility Base Hotel And Casino" - Arctic Monkeys)

Dica de Disco

Tranquility Base Hotel And Casino 
2018
Artista: Arctic Monkeys


MAIS INTIMISTA DO QUE NUNCA, O ARCTIC MONKEYS VOLTA AO PASSADO PARA REFLETIR O PRESENTE

Climático. É assim que começa o novo disco da banda Arctic Monkeys, Tranquility Base Hotel And Casino. E, pelo menos, durante todo o seu trajeto de 11 faixas, o álbum vai seguir nessa toada, em doses maiores ou menores. Mas, sempre numa levada mais cadenciada, mais intimista do que em seus trabalhos anteriores. A primeira música, por exemplo, "Star Treatment", parece algo saído de alguma jam session com o Joy Division; tão soturno quanto, mas, com um pouco mais de requinte instrumental. E, isso talvez choque os fãs mais ardorosos e xiitas do grupo, principalmente para aqueles que consideram Whatever People Say I Am, That's What I'm NotFavourite Worst Nightmare pequenas joias do indie rock moderno.



Soa simplista, no entanto, dizer que o Arctic Monkeys ficou chato porque os seus integrantes  envelheceram, ou simplesmente, "amadureceram". A questão não é essa. Talvez não seja a banda que, de fato, mudou, mas, o tempos que, agora, são outros. Há 12 anos, quando o grupo lançou seu primeiro disco, o mundo ainda nutria alguma esperança. Hoje, parece que nos tornamos mais cínicos, mas niilistas, mais egocêntricos. E, "dar de ombros" pode ser a expressão perfeita que identifique este novo disco da banda, que realmente "dá de ombros" para o que a banda fez um dia em termos de rock, trazendo composições com mais tristeza e uma energia contida.

Quando Alex Turner canta "Eu só queria ser um dos Strokes" na introdução de "Star Treatment", ele parece estar querendo uma nostalgia de um passado não tão distante assim na história da música indie, da qual o Arctic Monkeys começou fazendo parte, é bom dizer. Uma nostalgia ainda mais incrível se formos pensar que o Strokes inciaram a carreira deles "outro dia", apenas, numa época não tão distante assim. É como se as coisas, hoje, estivessem tão rápidas, tão imediatistas, que, em pouco tempo, perdem valor, e precisamos de uma nostalgia como conforto, mesmo que ela remeta há um passado relativamente recente. Citações a programas de TV dos anos 70 e 80, e até mesmo a Blade Runner deixam tudo ainda mais obscuro. E, essa é apenas a primeira canção do disco.


Com o passar das músicas, no entanto, percebemos o quanto essa nostalgia é bem mais profunda, bem mais densa do que poderíamos supor. Ecos de Beach Boys aqui e acolá, em quê de Lô Borges (sim, do nosso saudoso Clube da Esquina), e chegando até as décadas de 40 e 50, numa referência às big bands de jazz. Tudo é produzido meticulosamente para parecer algo antigo em composições como "One Point Perspective", "American Sports" e "Tranquility Base Hotel & Casino". São arranjos intrincados, ao mesmo tempo que simples e minimalistas em essência. Alex Turner, às vezes, não canta, e sim, declama as letras, que nem um crooner de épocas passadas. Às vezes, há alguma melodia assoviável. No entanto, no cerne dessas canções, está esse desejo incontrolável de voltar ao passado.

Mas, por quê?

Talvez a pista esteja nas letras dessas canções. Em "American Sports", por exemplo, a acidez e a ironia tomam conta: "Então, quando você olha para o planeta Terra do espaço exterior / Isso limpa essa aparência estúpida do seu rosto? / Eu vi essa aura sobre os estados do campo de batalha / Eu perdi um pouco de dinheiro, perdi as chaves / Mas eu ainda estou algemado à maleta". Ou ainda a letra de "Tranquility Base Hotel & Casino" (faixa-título do álbum): "Você se lembra onde tudo deu errado? / Avanços tecnológicos / Realidade sangrenta me deixa de bom humor". Ou seja, a roupagem é antiga, mas, as letras estão bastante atuais, onde encontramos contundentes críticas aos avanços tecnológicos, ao excesso de informação, à nossa falta de empatia, à eterna busca pelo sucesso, etc.

No conjunto entre som e conteúdo lírico, encontramos, portanto, uma melancolia meio sarcástica, meio que ironizando toda essa situação. O fato dos integrantes do Arctic Monkeys ainda serem bem jovens denotam ainda mais esse espelho de uma geração que, sem perspectivas futuras, volta-se para o passado, mas, com uma mentalidade mais crítica e ferozmente triste. Nada mais oportuno, portanto, do que utilizar uma sonoridade retrô (indo até meados da década de 40) para falar de problemas atuais. Sim, é um desafio e tanto ao qual o Arctic Monkeys se propôs.


Em termos de sonoridade, a coisa se mostra bastante diversificada e peculiar em Tranquility Base Hotel And Casino. Canções como "Golden Trunks" mostram um quê de psicodelia, bem ao estilo dos anos 60. Outras, como "Four out of Five", expõem algo mais moderno, como o que David Bowie fez em seus últimos trabalhos, porém, ainda assim, com uma nostalgia bem carregada. Por sinal, é em "Four out of Five" que a banda se aproxima um pouco do que podemos chamar de "canção cujo refrão gruda na mente", e é o máximo que vamos encontrar nesse sentido aqui.

As letras continuam mordazes ao longo deste trabalho, como em "Science Fiction", por exemplo, que mira em uma tecnologia totalmente vazia: "A ascensão das máquinas / Eu devo admitir que você me deu algo momentaneamente / Em que eu poderia acreditar / Mas a mão da dura realidade é sem luvas / E está a caminho de volta para te pegar / Mas não no meu relógio". Outra composição que segue a mesma linha é "She Looks Like Fun": "Ninguém nas ruas / Trocamos todos para o mundo online / Como se trocássemos de marcha / Estou tão cheio desta merda!".

Acertadamente, o disco se encerra com a pura melancolia de "The Ultracheese", representando muito bem uma ressaca moral de uma geração que parece ainda não ter se encontrado: "Que morte eu morri escrevendo essa música / Do começo ao fim, com você olhando / (...) Talvez seja a hora que você foi passear / Vestido como um personagem fictício / De um lugar que eles chamavam de América na idade de ouro / Confie na política para vir junto / Quando você estava apenas tentando orbitar o sol
Quando você estava prestes a ser gentil com alguém porque você teve a chance".

Particularmente, este um disco que não pretendo voltar a escultar tão cedo. Não porque seja ruim (longe disso). Mas, o seu nível de complexidade, o seu convite para nós, ouvintes, refletirmos juntos um amadurecimento da sociedade que não vem, uma evolução que não chega, é deveras melancólico. Algumas coisas precisam de tempo, atenção, entrega. O Arctic Monkeys lançou o que talvez seja um dos discos mais difíceis de se digerir em 2018. Premeditadamente ou não, conseguiram atingir um objetivo bem ambicioso: revisitaram esteticamente o passado para criticaram as ideias de um presente cada vez mais artificial.

Um álbum, no mínimo, interessante. Perturbadoramente interessante.


NOTA: 8,5/10


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