dica de filme ("Custódia")



Dica de Filme

Custódia
2017
Direção: Xavier Legrand


Violentos conflitos familiares fazem de "Custódia" uma das experiências mais incômodas do ano no cinema

Conflitos familiares. A perda gradativa da inocência. O medo. O pavor. A desestrutura familiar. Assuntos, esses, bastante caros na sociedade atual, que ainda presencia momentos pavorosos envolvendo núcleos familiares desfeitos. Ficamos atônitos ao perceber que o onde deveria existir amor e compreensão, podem ser semeados o ciúme, o ódio, e todo o tipo de violência possível e imaginável. 

"Custódia", baita filme francês, e um dos melhores do ano, desde já, escancara esses aspectos de uma maneira, a princípio, contida, para depois, explodir na nossa frente um dos piores horrores que se pode ter.




O filme começa de maneira intensamente naturalista, com uma sequência que mostra uma audiência de custódia entre Miriam e Antoine, que, agora, estão separados, e estão resolvendo a questão da guarda dos filhos, em especial, do calula Julien. A audiência é tensa, acusações de ambos os lados, uma juíza intermediando tudo, quase um documentário em tempo real. O melhor de tudo é que a sequência tem o tempo certo de ocorre, nem tão curta, nem tão longa. 

Os diálogos ajudam muito bem a explanar a situação, as atuações estão intimistas na medida certa, e o diretor é hábil, sabendo o momento certo de focar em determinado personagem, para capturar a sua exata reação em determinadas circunstâncias. Um começo bastante eficaz.

Conflitos judiciais, aparentemente, resolvidos, todos saem da audiência, mas, algo "estranho" paira no ar. Um desconforto, um medo, uma angústia que nós, como meros espectadores, ainda não conseguimos mensurar muito bem o que é. 

O que se segue são os momentos cruciais para o que o filme quer, de fato, abordar, onde termos a convivência nada agradável entre Antoine e Julian, algo que parece ir além de um simples conflito de gerações entre pai e filho. Alguma coisa "estranha" está no ar. E, mais uma vez, direção e roteiro (a cargo do habilidoso Xavier Legrand) acertam ao se focarem, durante boa parte do tempo, na companhia de pai e filho, onde Julien, claramente, sente-se desconfortável ao lado de Antoine, e este tenta forçar uma amizade entre ambos que não surte nenhum efeito prático.




Interessante notar que, mesmo que a produção se debruce boa parte do tempo mostrando, de forma bem naturalista, a relação de Antoine com Julien, até quando mostra outros personagens, como Miriam, e a irmã de Julien, Joséphine, a história encontra um meio de colocar pai e filho no centro das atenções. 

E, um dos exemplo disso ocorre na festa de 18 anos de Joséphine, onde, após uma mensagem de celular de Antoine para Miriam muda completamente o semblante de mãe e filha, que tenta passar um ar de tranquilidade, mas, o que transparecem é uma tensão constante, como se algo de ruim pudesse acontecer a qualquer momento. Nesse sentido, a cena de Joséphine cantando com uma expressão clara de angústia é bastante representativa.

O filme possui qualidades muito nítidas, a começar pelo elenco, todo ele sensacional, com destaque para Denis Menochet (que faz Antoine) e Thomas Gioria (que interpreta Julien), dois gigantes em tela, que, apenas com um olhar, um gesto de mão, conseguem dizer mais do que um texto com mil palavras. 

E, é claro que o grande destaque, de um modo geral, fica por conta do diretor e roteirista Xavier Legrand, que, com muita habilidade e senso de responsabilidade, soube abordar assuntos delicados da maneira correta, sem apelar para o sadismo, nem para o sentimentalismo barato. Seu trabalho consegue expressar a vida real, como, comumente ele é, sem retoques, muitas vezes, cruel, mas, que serve, acima de tudo, como uma espécie de alerta.




A violência doméstica (a princípio, de cunho psicológico) é tão presente nos dias atuais, que dificilmente o espectador médio passará incólume a uma assistida de "Custódia". A intensidade dos conflitos que a produção aborda é tão palpável, tão crível, que chega a ser assustador como um, a priori, drama pode se converter facilmente em um tipo de terror (dos mais intensos). 

Certamente, um dos melhores filmes do ano, mesmo que a mera existência dele, que dialoga tanto com a realidade atual, seja tão incômoda. Porém, um incômodo que se mostra necessário. E, urgente.


NOTA: 8,5/10


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