dica de filme ("Cortina de Fumaça")

Dica de Filme

Cortina de Fumaça
1995 
Direção: Wayne Wang


Pérola do cinema independente dos anos 90, "Cortina de Fumaça" entrega um resultado muito bonito, de uma ética bastante sólida

Alguns filmes são bem simples. E, de tão simples, acabam se tornando grandes. Apenas com boas premissas, bons diálogos, bons personagens. Uma conjuntura de fatores que fazem de uma produção algo único. Alguns, forçam a barra para parecerem simples e descompromissados. Outros, fazem isso de maneira mais natural, orgânica. 

Cortina de Fumaça está inserido nessa segunda categoria. Vai começando devagar, com um diálogo, aparentemente solto aqui e acolá, até desembocar num rio de reflexões, que, longe de serem meramente moralistas, mostram coisas muito simples da vida, como dar atenção a coisas realmente importantes, mesmo diante dos inevitáveis percalços em meio a caminho tortuosos.




O que torna filmes assim tão especiais é que eles partem de um conjunto de princípios muito positivos, e se tornam pequenos retratos da vida cotidiana, o que nos aproxima ainda mais dos personagens, que podem ser o seu vizinho, ou o transeunte com quem você esbarrou certo dia. 

São pessoas comuns, com problemas comuns, mas, ajudando-se mutualmente, numa ética toda particular, mas, que, no fim, resvala em atitudes simples como empatia e afeto. O fato do roteiro ser escrito pelo consagrado Paul Auster dá um interessante ar livresco à produção, que é dividida em capítulos, cada um se focando em um personagem distinto da história.

Interessante notar que a espinha dorsal das histórias pessoais de cada um, por mais diferentes que possam parecer, tem algo em comum: a questão do abandono, seja o que pode gerar um jovem viciado em drogas, seja o que foi feito em decorrência de um acidente fatal. Abandonos, em geral, cujas as vítimas são os filhos, com consequências diversas, mas, traumáticos de todo o jeito. 

Nesse ponto, as histórias de Thomas, Cyrus e Auggie são as mais interessantes, apesar da de Paul também ter um ótimo peso dramática no enredo. Por sinal, é Paul o elo entre todos os personagens; um escritor que, como a maioria daqueles que exercem esse ofício, tem um papel fundamental de observador da realidade. No caso de Paul, no entanto, com o passar do tempo, ele também se configura como um interventor da realidade, o que torna a história mais inusitada (e imprevisível).




Uma das coisas que mais impressiona em Cortina de Fumaça é a sua capacidade de falar de assuntos complicados, como drogas, aborto e abandono familiar, sem nunca soar carregado, pesado demais. Não que tais temas sejam tratados de maneira irresponsável pelo ótimo roteiro de Paul Auster; longe disso. Porém, longe de qualquer panfletarismo raso, o filme nos convida a ter um olhar humanizado diante dos problemas cotidianos, que, muitas vezes, estão debaixo de nossos narizes (às vezes, dentro da nossa própria casa), e não percebemos por qualquer motivo que seja. 

A produção, nesse sentido, também é um ótimo exercício de empatia, pois nos mostra o quanto vale a pena se importar com os outros, em especial nos seus 15 minutos finais do filme, quando temos uma baita sequência envolvendo Auggie e um certo "conto de Natal" aí. É o ápice das intenções de seus realizadores, quando a questão da empatia e do afeto ganham ares belíssimos.

Os atores, cada um ao seu modo, estão ótimos. Harvey Keitel, como Auggie, faz uma interpretação com muita altivez. Já, William Hurt, como sempre, entrega sensibilidade em sua atuação, neste caso aqui, fazendo o escritor Paul. Harold Perrineau Jr. e Forest Whitaker, perfeitos como pai e filho. E, ainda há Stockard Channing, como a transtornada Ruby, e que também nos mostra um bom trabalho de interpretação. 

A direção de Wayne Wang (em parceria com o próprio escritor Paul Auster), mesmo que, às vezes, arraste a história um pouco mais além da conta, é bem segura, e consegue ter fluidez, na maior parte do tempo. A trilha sonora, que inclui até o doidão Tom Waits, é um primor, corando o projeto ainda mais como um dos filmes mais interessantes e singelos daquela temporada.




Não esperem, no entanto, um filme de grandes arroubos narrativos ou reviravoltas mirabolantes. Estamos diante de uma produção que preza pela sutileza das coisas. Uma cena, em especial, é emblemática nisso, que é quando Paul vê as fotos que Auggie vem tirando nos últimos anos sempre da mesma esquina. Este pede ao escritor que olhe as fotografias com mais calma, com mais atenção, mesmo que elas sejam, aparentemente, iguais. 

O que Paul descobre (e o que vamos refletir ao longo do filme) é que sempre há diferença a serem notadas nas coisas, nas situações, nas pessoas, no mundo. Diferenças, essas, que nos fazem únicos, e que possibilitam termos um olhar mais humanizado e afetuoso do "outro".

Um filme, em última análise, muito bonito.


NOTA: 8/10


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