Dica de filme ("Nasce uma estrela")


Dica de Filme

Nasce uma Estrela
2018
Direção: Bradley Cooper


Quarta refilmagem de Nasce uma Estrela é um comovente relato de um relacionamento amoroso cheio de complicações

Por mais que se diga o contrário, as histórias de amor são, sim, repletas de possibilidades. Através delas, você pode contar um drama, uma comédia ou até mesmo um enredo de terror. E, ainda por cima, são narrativas que podem ter camadas e mais camadas, onde se pode flertar com diversos e pertinentes temas. 

Nasce uma Estrela, quarto filme a ser feito com a mesma historia (o primeiro é datado de 1937), aborda justamente uma dessas histórias. Essa nova versão se atualiza para contar aquilo que, aparentemente, é um típico romance água com açúcar que tanto vemos por aí, mas, que aponta para outros horizontes, alguns deles, bem pouco óbvios.




Os primeiros minutos de projeção são interessantíssimos. Mostram ambos os protagonistas, cada um inicialmente separado do outro, em seus respectivos ambientes, para depois se juntarem, o que acontece de uma maneira bem natural e orgânica. Ponto para o roteiro e para a direção, que conseguiram desenvolver bem o esboço da personalidade deles. Daí, para embarcarmos na trama, e torcermos por eles, foi um processo rápido e fácil. 

Não demora muito, e já estamos imersos na história, onde, de um lado, temos o cantor de country Jackson, que vive embriagado e depressivo, e Ally, que tem um emprego "normal" de dia, e à noite, canta numa boate. Nesse ponto do filme, Nasce uma Estrela remete um pouco, inclusive, a Antes do Amanhecer, produção minimalista, também ancorada no carisma de um casal de protagonistas.

Interessante notar como, ao longo da narrativa, haverá uma constante construção / desconstrução / reconstrução dos personagens principais, mesmo que a personalidade deles continue, no fundo, a mesma. De início, por exemplo, vemos Jackson bastante tímido e inseguro fora dos palcos, mas se soltando nos shows, ao mesmo tempo que Ally é bem segura na vida real, mas receosa em suas apresentações musicais fora da boate. 

Com o passar da narrativa, no entanto, mesmo Jackson continuando a ser terno e amável com sua companheira, há momentos em que ele parte para uma espécie de relacionamento abusivo com Ally, não chegando às vias de fato violência física, mas mostrando como um ciúme desproporcional em certos momentos pode minar um relacionamento. Ao mesmo tempo, vemos Ally cada vez mais compreensiva com seu companheiro, mesmo após alguns de seus vexames em público, muito disso devido ao alcoolismo.




No entanto, a respeito dessa questão, é bom deixar claro uma questão primordial: Nasce uma Estrela NÃO faz nenhuma apologia a relacionamentos abusivos. Ao contrário: expõe que, mesmo onde há um genuíno amor, onde há uma autêntica ternura, também podem existir aspectos que não fazem bem ao casal, por mais que ambos se gostem bastante. 

Por sinal, o fato de Hollywood celebrar esse enredo há décadas, e essa questão ter sido (um pouco) levantada justamente nesta versão aqui, onde temos um Jackson bem mais amável do que nas versões anteriores, já diz muita coisa sobre esses novos tempos, e pode nos fazer refletir bastante, mesmo que esse aspecto, especificamente, não tenha sido intencional por parte dos realizadores do filme.

O que é certo mesmo é que aqui temos um cinema de ótima qualidade, feito por gente (e, esse é o termo correto) apaixonada. Cooper, dirigindo o seu primeiro longa, arrebenta, mostrando um domínio narrativo com muitaa segurança. Sua câmera é "documental" quando tem de ser, e é estática e mais sinuosa quando tem de ser, com destaque absoluto para os números musicais, todos muito bem filmados. 

Mas, não só como diretor Bradley Cooper se dá bem. Como ator, ele exprime muita verdade e autenticidade em seu Jackson, seja no tom de voz, na expressão corporal (as partes em que ele está alcoolizado são muito bem representadas), ou num simples olhar, que pode passar tristeza, ciúme ou uma profunda angústia pela incerteza do futuro. Bela composição do ator.




No entanto, a grande estrela (com o perdão do trocadilho) é mesmo Lady Gaga, que se entrega à sua personagem Ally com garra e determinação, uma personagem de pulso firme, ao mesmo tempo que temerosa em meio a um showbizz que canibaliza tudo e todos. Tanto nos musicais, quanto na interação com o seu parceiro de tela, a cantora e atriz compõe uma personagem cativante e com bastante personalidade. Indicações futuras a prêmios serão mais do que merecidos para ela.

Ainda assim, mesmo com tanto carisma de seus protagonistas e com uma direção e um roteiro bem dosados, Nasce uma Estrela comete alguns deslizes. Um deles é se alongar demais em certos números musicais. Evidentemente, que as músicas apresentadas ali possuem algum sentido narrativo naquele momento determinado da história, mas, poderiam ter sido encurtadas sem o menor problema. Algumas passagens de tempo também são rápidas demais, o que poderia ter sido resolvido com uma edição um pouco mais caprichada.

Contudo, essas são pequenas falhas de um filme realmente grande, que conta uma história de amor de uma maneira um pouco mais realista, com todos os seus eventuais problemas, e agravada ainda mais pela questão do álcool e de problemas familiares. Uma atualização muito bem vinda para os dias atuais, que traz aspectos interessantes a serem refletidos, mas que também continua sendo uma bonita (mesmo que triste e melancólica) história de amor.


NOTA: 8/10


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