Filme mais ou menos Recomendável ("VIDRO")

Filme mais ou menos Recomendável

Vidro
2019
Direção: M. Night Shyamalan


Mesmo fechando de maneira honesta a sua trilogia sobre os super-heróis, Shyamalan deixa um gosto meio amargo de que poderia ter feito mais (bem mais)

Depois de Corpo Fechado, já tinha ficado bem nítido de que o "Shyamalan diretor" não estava dialogando de forma adequada com o "Shyamalan roteirista". 

Por mais que filmes como Sinais, A Vila e A Dama da Água sejam referenciados nos dias de hoje, um olhar mais atento a essas produções vai perceber que "estilos visuais" e "histórias" parecem estar se debatendo o tempo todo pra ver quem se sobressai mais. Quem sai perdendo nessa briga, geralmente, é o roteiro, cuja premissa sempre é boa, mas, que acaba sendo construído de maneira bem fraca.

Portanto, não é de admirar que este Vidro seja mais parecido com Fragmentado do que com Corpo Fechado (este, sim, um filme redondo, milimetricamente pensado, e com um roteiro bastante eficiente).




A grande questão é que, rapidamente, entendemos o que Shyamalan quer dizer com este projeto, onde ele quer chegar, digamos assim. Mas, a forma dele mostrar o que quer é que acaba sendo arquitetada de maneira frouxa. 

Um bom exemplo disso são os 5 primeiros minutos de Vidro, nos quais vemos que a intenção é mostrar como a mística em torno dos super-heróis afeta negativamente pessoas comuns, em especial, nesses tempos de redes sociais. Só que essa crítica é mostrada num conjunto de cenas ridículas e constrangedoras. 

Claro que, na vida real, muitas pessoas são ridículas e constrangedoras, mas o filme, por ter o artifício da ficção, poderia ter mostrado esse aspecto de uma maneira um pouco mais elaborada. Nesse aspecto, guardadas as devidas proporções, o início de Batman: O Cavaleiro das Trevas é bem mais instigante.

No entanto, mesmo com esse início bem capenga, o filme incrivelmente engrena bastante, fazendo do primeiro ato a sua melhor parte. Mesmo que algumas cenas ainda soem mal arquitetadas (a sequência com algumas meninas no cativeiro de Kevin é risível de tão ruim), a trama principal vai sendo construída de maneira eficaz e com vigor, tendo como foco David Dunn e Kevin. 

Pelo menos, nesse sentido, é preciso dar o braço a torcer para Shyamalan, que, habilmente, não expõe Elijah (o Sr. Vidro) logo de cara, apenas sugerindo a sua presença em momentos pontuais, mesmo que seja dele o título do filme. Nesses primeiros momentos, sobressai-se também um inventivo jogo de câmeras do cineasta, posicionando cada cena de maneira precisa, como na sequência de David e Kevin no depósito, por exemplo.




Então, eis que surgem alguns personagens secundários na história, e o filme passa a perder um pouco de fôlego. Isso porque alguns desses personagens vão dar um gás extra ao enredo. Outros, são completamente dispensáveis. 

Por exemplo: qual o sentido em trazer de volta Casey, sendo que esta, apesar da ligação afetiva com Kevin, acaba não apresentando nenhuma função prática à trama? Ao menos, para contrabalancear a situação, temos aqui Dr. Ellie Staple, esta sim, uma personagem que acrescenta muito ao filme, propondo um interessante debate à respeito da cultura dos super-heróis, e como isso poderia estar diretamente ligado a alguma trauma específico de certas pessoas. 

Essa abordagem se faz presente, por exemplo, quando ela conversa com Joseph, filho de David, e esta lhe diz que o fato de David ter super poderes é uma ilusão, já que o rapaz projetou na figura do pai um verdadeiro super-herói, um ser, portanto, imortal.

Inclusive, a melhor parte do filme acontece na metade de sua projeção, quando ocorre o encontro entre David, Kevin e Elijah promovido por Ellie, onde os questionamentos que Shyamalan quer fazer a respeito da cultura dos super-heróis vem à tona de maneira mais orgânica. 

No entanto, depois dessa sequência (que é interessantíssima sob diversos aspectos, diga-se), o filme decai muito de ritmo, e mesmo que as invencionices de câmera do cineasta continuem lá, o roteiro, que, até então, vinha sendo trabalhado de maneira a ser espécie de sátira ao universo dos super seres, passa a ser expositivo  demais, deixando de lado os bons questionamentos levantados até aqui para se concentrar demais no Sr. Vidro, e em seu plano "mirabolante". 

A história passa, então, a ser mais genérica e desinteressante. O artifício usado para dar um upgrade no filme, então, é a inclusão de não apenas um, mas de DOIS plot twists (algo que, de fato, não precisava).




Não há como negar que esses plot twists deixaram a trama mais empolgante na reta final (em especial, o segundo plot), mas também não dá pra negar que esse artifício foi um tanto preguiçoso, como se Shyamalan soubesse exatamente como iria terminar a sua trilogia, mas elaborou o desenvolvimento disso de última hora, sem o devido cuidado. 

Ainda assim, o terceiro ato, que é melhor do que o segundo, possui inusitadas quebras de expectativa, lembrando a todo momento que aquelas situações ali foram encenadas para serem as mais realistas possíveis. 

Contudo, algo ficou muito incômodo no decorrer da história em termos de furos de roteiro: a total incompetência, tanto das autoridades, quanto dos funcionários do hospital psiquiátrico onde os protagonistas estavam. Mais uma vez: preguiça de roteiro para não montar algo mais elaborado.

Em se tratando de atuações, na medida do possível, todos estão bem, desde Sarah Paulson, com a sua misteriosa Ellie Staple, a Samuel L. Jackson, que parece estar se divertido muito aqui. Até Bruce Willis entrega um David Dunn convincente. 

Mas, o show mesmo quem dá é James McAvoy, e suas 24 personalidades. Com mais tempo para trabalhar essa característica do seu personagem do que em Fragmentado, McAvoy transita de maneira muito orgânica entre várias facetas distintas, seja como uma mulher sedutora, seja representando um menino de 9 anos de idade. Impressionante o seu trabalho. 

Já, Shyamalan repete os mesmos erros e acertos que em seu filme anterior. Se, por um lado, a sua direção é criativa, e nos envolve, por outro, o seu roteiro é frágil, e mesmo que arranhe o centro do debate onde quer chegar, a história, de fato, poderia ter sido muito mais interessante no tocante ao tema "super-heróis entre nós".

No final, o que sobra é um filme razoável, com um roteiro inconstante e muitos furos, mas que, ainda assim, consegue ser um pouco criativo em algumas poucas situações. Contudo, é bem pouco, principalmente em se tratando de personagens tão interessantes quanto David, Kevin e Elijah. Afinal, foram 19 anos desde Corpo Fechado, tempo suficiente para trabalhar um enredo mais bem estruturado.

Saldo? Um primeiro ato excelente, algumas boas sacadas em relação ao universo dos super-heróis em momentos pontuais, e uma baita interpretação de McAvoy. Um final um pouco digno de uma boa trilogia, portanto. Mas, poderia ter sido melhor. Bem melhor.


NOTA: 6/10


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