DICA DE FILME ("TERRA TRANQUILA")

Dica de Filme

Terra Tranquila
1985
Direção: Geoff Murphy


FICÇÃO CIENTÍFICA ABORDA O PAVOR QUE TEMOS DA SOLIDÃO E AS IMPLICAÇÕES DISSO PARA A NOSSA SANIDADE

A boa ficção científica, por mais que tenha como primeiro intuito o entretenimento puro e simples, alcança o seu grau de maestria quando vai além, e dialoga com o público questões de grande profundidade. Não à toa, algumas dos melhores filmes do gênero de todos os tempos são petardos inclassificáveis, como 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick, e Solaris, de Tarkovski. 

Só que existe uma ficção científica oitentista pouco lembrada, mas que merece destaque, mesmo sendo uma produção "menor", se comparada aos outros filmes supracitados, que é Terra Tranquila, longa feito na Nova Zelândia, e cuja premissa e a própria realização são interessantíssimas.




De início, vemos longos minutos do nascer do sol, e em seguida, somos apresentados a um dos protagonistas do filme, Zac Hobson, que como é de sua rotina, acorda, levanta e se arruma para ir ao trabalho. 

Só que, no caminho, percebe algo de muito estranho: simplesmente não há mais pessoas nas ruas. Todos, simplesmente, sumiram. Com o passar do trajeto dele ao trabalho, Zac vai descobrindo uma realidade terrível: todos os seres humanos da Terra parecem não existir mais; apenas ele. É quando começamos a ter algumas respostas do roteiro, que, ao mesmo tempo, suscitam mais perguntas, tornando o filme cada vez mais paranoico, sombrio e instigante. 

Falar mais da trama seria estragar boas surpresas, então, tentemos falar mais das entrelinhas do filme, já que as interpretações que conseguimos absorver dessa obra são fascinantes.

Ao contrário de muitas outras ficções científicas que temos por aí, onde há uma espécie de futuro pós-apocalíptico cheio de ação e aventura, aqui, a coisa é (bem) mais intimista. Com o passar do tempo, Zac vai enfrentando algo que é muito caro à condição humana: a solidão.

E, essa solidão faz com que ele tenha surtos psicóticos todo o tempo, indo de devaneios de poder, achando que está discursando para uma plateia, que na verdade é imaginária (uma das melhores partes do filme), à blasfemação religiosa, onde, dadas as circunstâncias, o home se sente um autêntico "Deus", que tudo pode, estando soberano num reino sem súditos, vazio, oco por dentro, tanto quanto a personalidade humana, que se esvai diante da completa solidão. 

São os momentos mais tensos da produção, o que proporciona uma baita interpretação do ator Bruno Lawrence, que consegue passar toda a angústia do seu personagem de maneira bem convincente.




Por sinal, verossimilhança o roteiro de Terra Tranquila tem de sobra. Claro que muitos dos seus acontecimentos soam fantásticos demais (até nos dias de hoje), mas, a grande questão é que esses acontecimentos estão alicerçados em um terreno bem plausível. 

Tanto as explicações de Zac para o bizarro fenômeno do desaparecimento das pessoas, quanto suas ações, são calcados em algo crível, sem tanta descrença da ralidade como esse tipo de filme nos obriga a fazer constantemente. Isso é um ponto muito positivo, pois, em determinado momento, a história realmente parece um conto de horror, de tão palpável e aterrorizante que aquela realidade acaba parecendo.

No entanto, mesmo repleto de ótimas ideias, e bastante inventivo em alguns momentos, o filme perde força narrativa com a entrada de dois outros personagens. Estes até servem para que o próprio Zac possa explicar melhor o fenômeno, e tudo poder fazer (um pouco) mais de sentido, porém, acabam sendo protagonistas bem menos interessantes que o primeiro, tanto é que eles proporcionam algumas cenas desnecessariamente risíveis na trama. 

Não chega a estragar a experiência, mas, sem dúvida, enfraquece algo que estava se desenvolvendo de maneira fortemente melancólica, e até mesmo aterradora. Ainda assim, alguns momentos com os três juntos são interessantes, em especial, a história de vida escondida por Api.




Em se tratando de atuações, além da ótima performance de Bruno Lawrence, Pete Smith compõe bem o seu Api, e Alison Routledge, apesar de começar bem com a caracterização de Joanne, sua personagem vai perdendo relevância na trama à medida que o tempo passa. 

Já, a direção de Geoff Murph, que, anos mais tarde, enveredaria de vez para o cinema de ação em produções como A Força em Alerta 2, faz aqui um trabalho muito coeso, em especial, no primeiro ato, mostrando somente o necessário, e deixando o espectador cada vez mais intrigado com o que virá a seguir. 

Por sinal, a cena que antecede o último take do filme é uma das imagens mais lindas e chocantes que um filme de ficção científica já criou, comparada (guardadas as devidas proporções) ao final de O Planeta dos Macacos. É de um impacto avassalador.

Apesar de alguns defeitos esparsos, podemos dizer que Terra Tranquila é um dos mais interessantes filmes do gênero, em especial, porque abordas questões psicológicas de maneira muito mais profunda que a maioria das produções do tipo, levando a bem-vindas reflexões que vão desde a ética na ciência à solidão como forma de encontrar o nosso "verdadeiro eu". Sem dúvida, uma ficção científica acima da média.


NOTA: 8/10


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