DICA DE FILME ("PARASITA")

Dica de Filme

Parasita
2019
Direção: Bong Joon Ho


Num mundo repleto de parasitas, a vida é um mero ato de sobrevivência

Mesmo que o mundo pareça (e só pareça) um lugar mais igualitário nos tempos atuais, é inegável que a divisão das classes sociais continua acentuada, bastante delimitada, e transpassar essas barreiras continua sendo um ato de ousadia. Até mais do que isso: no limite da necessidade de uma vida melhor, perdem-se os limites, os parâmetros. Num mundo diferente disso, Parasitas, novo trabalho do diretor Bong Joon Ho, seria um drama distante, sobre uma sociedade igualmente distante. Porém, fora os eventuais exageros de uma ficção, aqui o negócio é "quase" documental, um espelho que nós insistimos em não ver o seu reflexo. Certamente, não queremos nos ver em nenhum dos personagens aqui. Nenhum! Mas, precisamos...





Não, não se trata aqui do velho clichê "filme importante" ou "filme fundamental". Pelo menos, não somente isso. O roteiro é hábil, meticuloso, ora sutil, ora escancarado, mas, sempre sagaz ao retratar malezas humanas internas e externas. Às vezes, soa cômico, de tão trágico. Em outras, é só trágico, mesmo. Na produção acompanhamos uma família vivendo os perrengues de uma vida sub-humana na sarjeta de uma Coreia do Sul pouco vista por aí. É uma das universalidades que o filme consegue passar muito bem: seja ali, seja no Brasil, nos EUA, ou em qualquer país, sempre existem os marginalizados que (sobre)vivem no submundo, fora das vistas doas mais ricos. 



O roteiro, por sinal, não se presta a maniqueísmos rasos ou imediatistas. Sim, algumas ações dos "protagonistas" são verdadeiramente odiosas, da mesma maneira que os seus "antagonistas" (a família rica para quem passam a trabalhar) também não são nem um pouco virtuosos. As aspas, ressalta-se, são uma simples formalidade, pois seria muito injusto taxar personagem A ou B aqui disso ou daquilo, tamanha a riqueza de detalhes e de camadas na personalidade deles, o que faz com com ora torçamos por eles, ora fiquemos chocados com suas atitudes. Uma dualidade inteligentemente equilibrada na trama (que, inclusive, revela muitas surpresas ao longo do caminho). 





Podemos dizer que Bong Joon Ho fez o seu melhor trabalho até então com Parasitas. Mesmo sendo interessante, O Hospedeiro, muitas vezes, não conseguia equilibra bem humor, drama e terror, e Okja é um conjunto de decisões equivocadas (e, muitas vezes, de gosto duvidosa). Aqui, não. A excentricidade do cineasta casa muito bem com uma trama que parece ser previsível (mas, não é), fazendo com que o filme tenha, sim, os seus momentos engraçados (e até bizarros), mas, sem perder o fio condutor que liga tudo isso: uma baita crítica social ao consumismo, ao desejo de ascensão e à invisibilidade de muitas pessoas que transitam entre esses mundos de classes sociais distintas.



Outro ponto bastante positivo da produção é como texto e imagens, em muitas ocasiões, juntam-se para criar algo bastante sutil, ao mesmo tempo em que possui diversas camadas de interpretação possível, em simbolismos em sempre fáceis de interpretar. Até nas partes mais expositivas, o filme consegue passar uma carga dramática muito convincente. Mesmo que algumas situações pareçam surreais demais, a intensidade e a verdade com que são mostradas, faz-nos acreditar que, na chamada vida real, coisas ainda mais bizarras podem acontecer daquela maneira (literal ou metaforicamente falando).






Parasitas é um drama bastante amargo. Praticamente não há redenção possível (a menos que você, como espectador, compartilha da esperança final que o filme tenta nos reservar). Porém, a produção é muito consciente a respeito da sociedade que quer retratar. Uma sociedade que parece encenar uma eterna tragicomédia do absurdo, onde os fins justificam os meios em nome de um mínimo de dignidade, e numa estrutura onde se é confrontado a toda hora o nosso lugar em cada classe a qual pertencemos. Não à toa, Parasitas tem sido classificado por muitos como sendo um filme de terror. Não deixam de ter razão.



NOTA: 9/10

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