FILME NÃO RECOMENDÁVEL ("BACURAU")

Filme Não Recomendável

Bacurau
2019
Direção: Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho


Bacurau até tenta acompanhar o espírito do seu tempo, mas, falha por ter um roteiro extremamente raso (e que pensa ser profundo)

O termo alemão Zeitgeist serve para designar o espírito de uma época. Ou seja, é uma palavra que abarca a cultura de um tempo, os anseios de um povo, ou mesmo um imaginário coletivo. Na arte, isso acaba aparecendo de tempos em tempos, em especial, no cinema.

Em 1999, por exemplo, alguns dos melhores filmes daquele ano retrataram a possibilidade do fim do mundo, e muitos questionaram valores, dogmas e estigmas sociais. Podemos dizer que 2019 também teve o seu Zeitgeist cinematográfico, onde produções como Parasita e Coringa conseguiram abordar questões centrais da atual conjuntura sócio-política, como luta de classes e exclusão social.

Um brasileiro, contudo, ganhou ares semelhantes por público e crítica. Porém, com reslutados bem abaixo do hypé que se criou em torno dele. Trata-se de Bacurau.




Talvez o grande problema desse filme seja querer ser complexo dentro de uma premissa simples até demais (e, que ele mesmo escolheu, diga-se). Não há lugar para sutilezas, nuances ou mesmo camadas. Sua trama basicamente se resume à velha e batida luta do bem x mal. Nada contra essa fórmula (que pode render boas histórias). Porém, se o roteiro, aparentemente, mostrou uma pretensão de ir mais além (e isso fica claro em vários momentos), ele simplesmente não consegue. Ou seja, falha em seu objetivo.

Outro aspecto que pega de jeito é o ritmo bastante inconstante. Bacurau começa lento, dando pistas esparsas do que pode vir a acontecer, chega na metade, já com a premissa estabelecida, e a narrativa não acompanha esse conflito, essa tensão. Coisas horríveis são cometidas pelos vilões, por exemplo, mas tudo é mostrado sem peso, sem impacto, o que esvazia ainda mais o enredo.

Nessa questão de ritmo narrativo, quando a produção finalmente chega ao clímax, a sensação é de que o filme está apenas começando. Sangue jorra, a carnificina acontece, uma (suposta) catarse chega, e tudo é mostrado através de cenas simplórias, com pouca dramaticidade. Quase um terror B. Mas, Bacurau não é um terror B, e sim um drama que parece querer abordar profundas questões sociais. Ou será que não?




Sobre o desenvolvimento de personagens, o filme também não se esforça nem um pouco para deixar protagonistas, antagonistas e figurantes minimamente interessantes. Fica difícil simpatizar ou antipatizar com alguns deles, pois são figuras rasas e, de certo modo, construídos na base de estereótipos pesados (e, mais uma vez, sem nenhuma sutileza). De Lunga a Domingas, passando por Michael, ninguém que surge em tela parece ter uma presença forte. São todos desprovidos de certa personalidade. Como, então, torcer contra ou a favor de algum deles? Não tem como.

(SPOILER) A cena do duelo final é, por sinal, um bom exemplo do mau gosto que permeia muitas partes do filme. Emulando a famosa cena real das cabeças decapitadas de Lampião e seu bando, a sequência em questão mostra os moradores de Bacurau tirando fotos com celulares e tablets das cabeças sem vida de seus algozes. Seria essa uma crítica aos tempos modernos? Na verdade, é tão mal-feito, que não se sabe claramente a intenção da cena (FIM DO SPOILER).

Além disso, muitos dos defeitos de Bacurau são potencializados pelos diálogos expositivos, além de atuações muito medianas de praticamente todo o elenco. Aqui e ali, temos uma reação genuína de alguns deles (como na cena da morte de uma criança, um dos raros momentos realmente tensos do filme), mas, no geral, o que vemos aqui é bastante constrangedor.




Ok, mas, dito tudo isto, por que Bacurau não consegue se aproveitar do zeitgeist de sua época para fazer, de fato, uma crítica social poderosa?

A resposta não é difícil: porque simplifica demais as coisas. Se formos compará-lo com Parasita e Coringa, por exemplo, estes apresentam nuances de uma sociedade que está toda corrompida, e na qual todos têm a sua parcela de culpa, mas, é tudo mostrado com elegância e profundidade em ambos casos. Fora o fato dos personagens serem muito bem construídos.

Em Bacurau, não é assim. Todo político parece ser corrupto, todo sulista tende a ser mau caráter, todo estrangeiro tem tendência a ser perverso, e todos os moradores de cidades do interior são, antes de tudo, uns "fortes". Simples assim. Inclusive, a força para a resistência popular aqui não vem de qualquer consciência ssocial, e sim, de um misticismo que nem é tão explorado no roteiro, e do consumo de "psicotrópicos". Isso desmorona qualquer intenção de reflexão qué o filme pum esse trazer. Só pra lembrar: na onda fascistóide atual, a demonização do outro é justamente o modus operandi de líderes controversos.

Desse modo, podemos dizer que Bacurau é o Tropa de Elite dessa geração? Ou seja, um filme que propõe uma espécie de debate social, mas que o faz de maneira tão irresponsável, e simplificando tão demasiadamente conceitos importantes, que pode acabar sendo um desserviço? Bem, pelo menos, Tropa de Elite, em termos de cinema, era muito bem feito.


No final, Bacurau é um filme vazio, que surrupia estruturas de gêneros como terror, ficção científica e faroeste, mas, está só reproduzindo estereótipos e preconceitos. Em ainda fazendo isso com cinema ruim, mal dirigido, mal escrito e mal atuado.

Dada a unanimidade que esse filme tem recebido do ano passado pra cá, em termos de público e crítica, este texto aqui pode até soar insignificante. Mas, se, ao menos, uns poucos tiverem contato com ele, e refletirem sobre o que foi escrito aqui, terá sido válido.

Ficha técnica: 
Título: Bacurau (Original)
Ano produção: 2019
Dirigido por: Juliano Dornelles Kleber Mendonça Filho
Estreia: 29 de Agosto de 2019 (Brasil)
Duração 131 minutos
Classificação: Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero: Drama, Ficção Científica, Mistério
Países de Origem: Brasil e França


NOTA: 2/10

Comentários

  1. Depois que assisti Coringa e Parasita, e ainda O Hospedeiro, concordo bastante com sua crítica.

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    1. Eu realmente queria ter gostado de Bacurau. O problema é que parece que pelo fato de estarmos vivendo nesse ambiente político perigoso, qualquer coisa que parece ser de resistência é alçado logo ao status de grande arte. Mas, Bacurau, como cinema, é bem ruinzinho, mesmo. Infelizmente. Abraço, amiga.

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