DICA DE DISCO ("Gigaton" - Pearl Jam)

Dica de Disco

Álbum: Gigaton
2020
Artista: Pearl Jam


Após 7 anos sem um disco de inéditas, Pearl Jam volta com um ótimo trabalho, apesar de perder um pouco de fôlego em sua parte final

Quando uma banda veterana anuncia um novo disco, é inevitável que o público queira sempre que ela apresenta um som que remata ao passado, especialmente quando estamos falando do Pearl Jam, que logo no primeiro rebento, lá pelos idos de 1991, emplacou hits como Jeremy, Alive e Even Flow. Depois, vieram excelentes trabalhos (Vs, Vitalogy e No Code), e outros nem tanto (Backspace e Lighting Bolt). 

Porém, uma coisa é inegável: a banda sempre mostrou uma integridade musical irrepreensível, mesmo que sem a criatividade de outrora. Chegamos, então, ao 11º disco de estúdio do grupo, este Gigaton, que consegue mostrar que o Pearl Jam ainda consegue fazer músicas excelentes, mesmo que não consiga mais preencher um álbum inteiro com canções memoráveis, como era antigamente. 




Mas, então, o que esperar de Gigaton? Raiva? Reflexão? Poesia? Ou tudo junto? Pra quem já conhece a banda de longa data, sabe o quanto ela tem a capacidade de unir esses elementos numa única composição. Contudo, muito mais do que aquele tipo de maturidade pedante, o Pearl Jam mostra em muitos momentos deste álbum o que sabe fazer de melhor, e entrega o que alguns ouvidos desatentos (e talvez ávidos por um alento que uma boa música proporciona) precisam. 

Logo de cara, somos apresentados a Who Ever Said, um rock curto e direto, cujo refrão diz: "Whoever said it's all been said / Gave up on satisfaction" ("Quem disse que tudo já foi dito / Desistiu da satisfação"). Em termos sonoros, é uma música vigorosa, bem ao estilo da banda, e mostrando que todos estão afiados (especialmente, o vocalista Eddie Vedder). 

A canção seguinte, Superblood Wolfmoon, praticamente segue a mesma cartilha da anterior (o que é muito bom, diga-se). Eddie a termina cantado furioso: "I've been hopin' and all hope was lost / I don't know anything, I question everything / This life I love is going way too fast" ("Eu estive esperando e toda a esperança foi perdida / Não sei de nada, questiono tudo / Essa vida que eu amo está indo rápido demais").



Chega, então, uma música que gerou certa polêmica recente, pelo fato do som se diferenciar bastante do estilo usual da banda, Dance of the Clairvoyants. De fato, a primeira audição pode causar algum estranhamento (especialmente, aos fãs mais ardorosos do Pearl Jam). 

Passado o "susto" inicial, verdade seja dita: é uma baita canção, na qual o grupo se arrisca, mas, não perde a essência. A letra, mais uma vez, é inspirada: "Expecting perfection / Leaves a lot to ignore/ When the past is the present / And the future's no more" ("Esperar a perfeição / Faz com que muitas coisas sejam ignoradas / Quando o passado é o presente / E o futuro não existe mais"). 

Na quarta composição, Quick Escape, o Pearl Jam aposta em algo mais cadenciado e pesado, fazendo dela um dos destaques do álbum, ao lado da música anterior. Aqui, o que é dito por Vedder transparece uma raiva latente: "Crossed the border to Morocco / Kashmir then Marrakech / The lengths we had to go to then / To find a place Trump hadn't fucked up yet" ("Atravessamos a fronteira para Marrocos / Caxemira e depois Marrakech / As distâncias que percorremos naquele tempo / Para encontrar um lugar que Trump ainda não tivesse fodido"). 

Mais diretos, impossível. 




Infelizmente, a 5ª faixa do disco, Alright, chega meio que para puxar o freio de mão do disco. É bonita, bem executada, não desaponta, mas, longe da inspiração de uma Oceans ou mesmo de uma Given to Fly. A letra, em si, também não é muito boa. 

Algo que também pode ser dito a respeito da canção posterior, Seven O'Clock, que apesar da sonoridade ser mais inventiva, parece mais um livreto de auto-ajuda. Sim, tem até alguns momentos bonitos ("Freedom is as freedom does and freedom is a verb / They giveth and they taketh and you fight to keep that what you've earned" - "Liberdade é o que liberdade faz, e liberdade é um verbo / Eles dão e eles tomam e você luta para manter o que ganhou"), mas, no geral, um tanto simplórios. 


A 6ª faixa, no entanto, Never Destoination, chega pra tirar um pouco do marasmo deixado pelas canções anteriores. Vigorosa, assim como o começo do disco, a letra, mais uma vez, expressa çuma espécie de raiva contida: "There's an angry sea, an ocean in my eyes / The waves are rolling, I'm becoming blind" ("Há um mar revolto, um oceano nos meus olhos / As ondas estão rolando, estou ficando cego"). 





A próximo faixa, Take the Long Way, mesmo sendo igualmente agitada, como as melhores que estão no disco, não chega, necessariamente, a ser um destaque. Ao contrário: é até bem simples. A letra também não ajuda muito por ser um tanto repetitiva. Melhor sorte teve Buckle Up, a balada de mais personalidade do álbum. Nada excepcional, mas, agradável aos ouvidos. Há até uma sonoridade um pouco diferenciada no meio dela que lembra instrumentos de sopro. 


Comes Then Goes segue essa vibe mais acústica, inclusive, lembrando até o espírito do filme Na Natureza Selvagem, que o próprio Eddie Vedder fez a trilha sonora anos atrás. Sensações tristes e reflexivas permeiam a letra, que, em certo momento diz: "Sadness comes with it a sea of tears / Would some love be best had it not appeared?" ("A tristeza vem com um mar de lágrimas / Um pouco de amor seria melhor se não aparecesse?"). 


Bem, como já deu pra perceber, o "labo B" do disco realmente incorporou esse ambiente mais calmo e acústico, e a penúltima faixa, Retrogade, é o grande destaque disso. Vedder cantando muito bem, A letra é quase um chamado, um prelúdio: "Hear the sound / In the distance, now / Could be thunder / Or a crowd"("Ouça o som / À distância, agora / Poderia ser um trovão / Ou uma multidão"). 


De maneira um pouco mais melancólica do que deveria, o disco se encerra com River Cross, que, apear de competente, não se diferencia muito do que o Pearl Jam mostrou ao longo das outras  faixas. A letra, ao menos, é poderosa: "While the government thrives on discontent / And there's no such thing as clear / Proselytizing and profitizing / As our will all but just disappears" ("Enquanto o governo prospera com descontentamento / E não existe essa coisa de, de forma limpa / Elitizar e lucrar / Enquanto nossa esperança faz tudo, menos desaparecer").




O que fica de tudo isso? Bem, Gigaton é um ótimo disco como um todo, mas que poderia ter sido bem melhor (os discos recentes do Alice in Chains, só pra traçar um paralelo com outro remanescente do som de Seattle, são melhores). Umas três faixas a menos, e o álbum poderia ter uma audição bem melhor. Também não espere por canções grudentas, mais pop, que dá pra cantar junto de boas. Não há nenhuma composição aqui com esse potencial levado ao máximo. 


Contudo, ainda assim, Gigaton se mostra um disco bastante coeso com a trajetória da banda e, pelo menos, é melhor do que os três mais recentes trabalhos de inéditas do Pearl Jam. Não é um Ten, um Vs, ou um No Code. Porém, é muito bom (melhor do que a média geral). E, convenhamos: a banda, devido a tudo pelo o que já passou, só pelo fato de ainda estar na ativa, já é um feito e tanto. 



NOTA: 7,5/10




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