DICA DE FILME ("Café da Manhã em Plutão")

Dica de Filme

Café da Manhã em Plutão
2005
Direção: Neil Jordan


Um fábula recheada de dignidade, com algumas pitadas de política, mas, sempre com muita sensibilidade

Neil Jordan é um baita diretor. Não apenas porque ele conduz tecnicamente muito bem os seus filmes, mas, sobretudo, por conseguir imprimir um nível de autoralidade em seus trabalhos, que é visto em poucos cineastas por aí (Wes Anderson e David Fincher são os únicos exemplos recentes que me veem à cabeça neste momento). Talvez o que mais seja instigante nas produções dirigidas por Jordan seja a sua capacidade toda peculiar de contar uma história tensa e muito pesada em tom de fábula. Guardadas as devidas restrições que Hollywood impõe, ele fez isso em Entrevista com o Vampiro. Também fez, magistralmente, em Nó na Garganta. E, mais uma vez, conseguiu essa façanha no excelente Café da Manhã em Plutão




O que poderia ser simplesmente uma história um pouco padronizada sobre um garoto que, desde criança, gosta de se vestir de mulher é não se encaixa na sociedade conservadora que o cerca, aqui, ganha tons mais oníricos e poéticos (pra não dizer também um pouco anárquicos). Já nos primeiros segundos, vemos uma nada convencional conversa bem-humorada entre dois passarinhos, e a apresentação dos personagens como se estivessem em um conto de fadas. O estilo lembra um pouco o recente Jojo Habbit, na forma como apresenta os acontecimentos de maneira lúdica (e muitíssimo divertida, diga-se).

É quando somos apresentados a Patrick (o protagonista da trama), um personagem que teima em não se enquadrar nos arquétipos mais tacanhos do ambiente onde vive. Tendo sido adotado após ser deixado quando bebê na porta de uma igreja, ele, desde pequeno mostrava que teria uma personalidade única e marcante. Ter sido colocado pra estudar num colégio de padres só ajuda a desenvolver sua mente provocadora, ao mesmo tempo em que alimenta uma grande imaginação (muitas vezes, para esconder algum sentimento mais profundo). É através desse mundo de sonhos que Patrick pode rir mais, ter um pouco mais de alento.

Um começo leve e descontraído de filme, mas que ganha ares mais pesados e complexos quando o protagonista resolve ir em busca da mãe, que, muito provavelmente, está em Londres (ou, de acordo com a versão lúdica e sensível do nosso protagonista, "uma Dama Fantasma que foi engolida por Londres"). E, é a partir desse momento que o filme vai ganhando cada vez mais camadas. 





Um dos artifícios narrativos mais interessantes aqui é como, mesmo numa história delicada, a trama principal consegue se mesclar a outros temas, como, por exemplo, a eterna guerra entre católicos e protestantes na Irlanda (onde se passa boa parte do filme). Como uma versão mais adulta do menino de A Vida É Bela, Patrick tenta se refugiar dos horrores daquele conflito através da inocência, da imaginação. Numa das sequências, por exemplo, ele simplesmente pega as armas de alguns guerrilheiros que estavam escondidas e as joga no fundo do lago, sem nem mesmo pensar que podia sofrer alguma retaliação. 

E, assim, como numa espécie de road movie, o filme segue, ora encarando fantasia que Patrick usa para, de alguma forma, ficar protegido, ora pegando mais pesado em cenas que mostram o quão a vida real pode ser terrível. Mais ou menos o que acontece com O Labirinto do Fauno, só que com outra identidade. Cabe destacar ainda que a trilha sonora casa bem com praticamente tudo, e, muitas vezes, é usada para pontuar momentos mais alegres e descontraídos na vida de Patrick. 

Importante destacar um aspecto fundamental aqui: Café da Manhã em Plutão não necessariamente levanta bandeiras. Ou seja, não é, no sentido mais corriqueiro da palavra, panfletário. Pelo menos, não diretamente. Por quê? Bem simples: A narrativa se mescla de maneira tão espontânea na vida dos personagens que muitos aspectos aqui soam quase como naturais. Tipo: Patrick não precisa justificar a sua sexualidade o tempo todo, mesmo que sempre haja um preconceito latente aqui e acolá. A questão do conflito de grupos religiosos na Irlanda também consegue seu espaço na trama, e a boa crítica consegue ser feita, com o anti-belicismo do filme sendo um pouco sutil (mas, não menos pungente).





Todos esses aspectos são muito bem orquestrados por um Neil Jordan leve e solto com um material com domina como poucos, apesar de, já no finalzinho do filme, o tempo de duração se arrastar um pouco mais do que deveria. Não dá também pra falar sobre Café da Manhã em Plutão sem mencionar a ótima atuação de Cillian Murphy, que se entrega de corpo e alma no papel, passando toda a delicadeza e inocência de alguém que busca algo muito simples: um pouco de afeto. Essa característica é muito bem ressaltada pelo ator em passagens chaves do filme, como na dolorosa sequência do interrogatório. 

Certamente, esta é uma obra que talvez não agrede a todos, pois, afinal de contas, além de ser leve e lúdica, ela também sabe quando ser triste e angustiante. Além, é claro, de tocar em temas considerados tabus, mesmo que seja pela visão um tanto quanto peculiar de Patrick. Porém, para quem busca um filme diferente, que abarca alguns temas importantes sem precisar ser classudo, e que ainda consegue ser divertido e espirituoso no final, está aqui um baita filme.


NOTA: 9/10

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