Dica de Filme ("O Jovem Ahmed")

Título: O Jovem Ahmed
Ano de lançamento: 2019
Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne


O fanatismo religioso mostrado de maneira direta e objetiva, mas também com muita sensibilidade e consciência pelos irmãos Dardenne

Um dos grandes méritos dos filmes dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne é serem recortes da realidade bem naturalistas, sem grandes arroubos narrativos, porém, mostrarem ao final uma grande força nas mensagens. É um cinema simples, mas muito bem realizado, ético e consciente dos tempos em que é feito. Até em seus trabalhos mais medianos há essa elegância dos diretores em mostrar uma realidade, muitas vezes, dura, e que choca sem ser apelativa, apesar da crueza. 

Nesse aspecto, O Jovem Ahmed, recente trabalho deles, talvez seja o seu melhor filme nesses últimos anos, mostrando de maneira bastante clara como o fanatismo religioso pode afetar uma criança para o resto de sua vida. 




Na trama, temos o personagem título, um garoto recém-convertido ao Islamismo, e que, bastante influenciado por seu primo, começa a desenvolver uma espécie de fanatismo com base em sua nova religião. Porém, isso é mostrado aos poucos no primeiro ato, primeiro, mostrando Ahmed se recusando a apertar a mão de sua professora, e depois a questionando que não poderia dar aulas de árabe por estar namorando um judeu. 

Acontece que a situação, gradativamente, vai aumentando de intensidade, e mesmo quando o fanatismo de Ahmed atinge níveis bastante complicados, tudo aqui é mostrado de maneira muito crível. É algo, inclusive, que lembra um pouco A Outra História Americana, em alguns aspectos pontuais, mas, na essência, mostrando que o fanatismo não começa do nada. Há uma origem pra isso, sendo um comportamento que pode evoluir para situações verdadeiramente tensas. 

Falando assim, O Jovem Ahmed pode parecer didático, mas acredite: não é. Cada cena e cada atitude do protagonista vão sendo minuciosamente mostradas, num efeito de causa e consequência, como se estivéssemos assistindo a algo documental (uma característica já comum nos melhores trabalhos dos Dardenne), e que nos faz emergir ainda mais na história. 




A mensagem aqui é bem clara, e os irmãos Dardenne fazem questão de não esconderem seu intuito em nenhum momento. Porém, ao contrário de muitas produções, onde o discurso se sobrepõe ao próprio filme, neste caso temos uma narrativa sólida e coesa, que realmente poderia acontecer na vida real, mas que também tem algo importante a dizer. E melhor: sem ser panfletário e didático, subestimando o público. É tudo muito natural e orgânico em O Jovem Ahmed

Tão orgânico, por sinal, que o filme não nos poupa de momentos bastante tensos, nos quais esperamos que o pior aconteça. Trata-se de um domínio muito bom de narrativa, onde, mesmo que não aconteça nada, a carga dramática da situação já é o suficiente para fazer o espectador se sentir incomodado, ao mesmo tempo em que é confrontado com uma realidade que não está somente atrelada ao Islamismo, mas também a todo e qualquer fanatismo (especialmente, o de cunho religioso). 

Ao contrário do que possa parecer, O Jovem Ahmed não é bem uma crítica ao Islã (mesmo que também seja, em essência), mas, principalmente, uma pequena e poderosa amostra do que os fanatismos são capazes de fazer na mente de um jovem, cuja fragilidade o deixa suscetível a qualquer discurso raso e simplista, fazendo com que ele se torne quase uma bomba relógio, destruindo sua percepção do que é lógico e justo. Em tempo de fanatismo explícito, onde o "outro" é uma ameaça simplesmente por ser diferente, este filme aqui causa (ou deveria causar) um enorme incômodo. 




Para garantir a força narrativa e discursiva necessária, o filme não se vale apenas da forma naturalista com que os irmãos Dardenne filmam, mas também graças à ótima performance de Idir Ben Addi, que interpreta o protagonista com um nível de sutileza (e, às vezes, de explosão) bastante convincente. É como se estivéssemos realmente diante de um adolescente, com todos os seus problemas e dúvidas. Sem isso, o filme realmente não seria o mesmo. 

Dizer que O Jovem Ahmed é "necessário" pra esses tempos é soar clichê, pois se trata de um trabalho atemporal, "necessário" em qualquer tempo, justamente por tratar de assuntos um tanto delicados (mas que precisam ser debatidos). Um recorte triste e até angustiante do poder que as ideias fáceis e fanáticas podem fazer na mente de alguém que está apenas começando a vida, e que quer apenas se inserir num grupo (mas eliminando tudo o que é diferente). 


NOTA: 9/10

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