Dica de Filme ("Eclipse Total")

Título: Eclipse Total

Ano de lançamento: 1995

Direção: Taylor Hackford

As relações familiares e os seus demônios internos

Um dos grandes méritos do escritor Stephen King (salvo algumas apelações sem sentido, e até grotescas), consegue falar em sua obra de diversos tipos de medo, e não apenas se limitando ao horror sobrenatural ou inominável. Muitas vezes, inclusive, o terror em suas histórias está nas coisas mais banais, e até mesmo triviais, do cotidiano, não cometido por demônios das profundezas do inferno, ou mesmo por criaturas sem origem definida. em muitas ocasiões, coisas terríveis são cometidas por seres humanos de carne e osso em suas narrativas. 

É o que acontece em Dolores Claiborne, adaptado por Taylor Kackford (diretor de Advogado do Diabo e Ray) em 1995, coincidentemente 1 anos após estrear nos cinemas outras adaptação da obra de King que flerta mais com o drama do que com o terror propriamente dito: Um Sonho de Liberdade. E como geralmente aconteceu com outros filmes dramáticos baseados em obras não usuais do escritor (como Conta Comigo e À Espera de um Milagre), neste Dolores Claiborne (que no Brasil recebeu o título de Eclipse Total), temos uma história que começa com o assassinato de uma idosa, mas, que vai ganhando contornos cada vez mais interessantes ao longo da projeção. 

De maneira bem instigante a trama já se inicia com essa morte mencionada anteriormente, e as implicações dela para os envolvidos, especialmente da principal suspeita do crime: a Dolores do título. Mulher linha dura e estigmatizada na cidade onde vive por conta da morte suspeita de seu marido, Dolores tem uma filha que trabalha na capital, e que não quer que saiba o que houve. Contudo, ela acaba descobrindo o que aconteceu, e parte para a sua cidade natal tentar ajudar a mãe a se livrar dessa  acusação de assassinato. 

A história, então, vai se desenrolar ora como suspense, ora como drama, mas, sem nunca esses dois aspectos atropelarem um ao outro. Não tive a oportunidade de ler a obra original para traçar aqui um comparativo, porém, é certo afirmar que, em termos de cinema, a trama de Eclipse Total se desenvolve muito bem, com uma narrativa fluida, fazendo com que nos interessemos por aqueles personagens. 

É interessante notar como o diretor Hackford utiliza as passagens do tempo na história, intercalando cenas de passado e presente de maneira orgânica, muitas vezes, sobrepondo personagens em cenas de linhas temporais distintas, o que dá um efeito muito bom (visualmente falando) e faz com que não abandonemos a história que está sendo contada ali. Ao contrário: queremos mais e mais saber o que de fato aconteceu, e qual será o desfecho de todos, especialmente, de Dolores.

Outro aspecto que vale a pena destacar na obra (pelo menos, do filme em si) é o fato de estarmos diante de uma história de grande carga feminina. Sim, temos aqui os homens, porém, ou eles são arquétipos dos quais o autor parece querer criticar, ou são simplesmente menos interessantes do que as mulheres da trama. Ou, para sermos mais precisos: Dolores, sua filha Selena e Vera (patroa de Dolores). 

Todas essas três personagens possuem uma carga dramática e um desenvolvimento muito poderoso. É através dos olhos delas que vemos o que está sendo mostrado ali, inclusive, com uma bem-vinda crítica ao universo masculino (que pode até parecer caricatural às vezes, mas, acredite: é proposital, e muito válido para o que King e Hackford, como condutor desta adaptação, querem passar).

As atuações são dignas de nota, desde o veterano Christopher Plummer à jovem Jennifer Jason Leigh. Porém, creio que nenhum destes supera Kathy Bates, que de fato é uma atriz acima da média, e aqui prova isso mais uma vez, mesmo que a sua personagem não seja tão enigmática quanto em Louca Obsessão (curiosamente, mais uma adaptação da obra de King). Ainda assim, Dolores é muito bem construída e cativante, e Bates a abraça com gosto. E, quem ganha com isso somos nós. 

Mesmo com uma ou outra cena que parece destoar da narrativa (espacialmente, a sequência que acontece no tal eclipse que faz parte do título nacional), o filme é uma das melhores adaptações da obra de King para cinema, e estranhamente uma das menos lembradas. Porém, é uma injustiça, pois ela não deixa nada a dever a produções como Conta Comigo ou Um Sonho de Liberdade. 

Ao expôr muitas das mazelas que podem acometer as relações familiares, Eclipse Total mostra de maneira bem dura, cruel e humana que o horror está no que as pessoas reais são capazes de fazer. Há outro subtexto bem interessante de que esse mesmo horror também está atrelado ao tempo, seja pelo fato de não superarmos certos traumas, seja porque simplesmente envelhecemos. 

Acima de tudo, uma produção muito bonita, com uma história forte e intrigante, e uma baita atuação da sempre especial Kathy Bates. 

Não precisa mais do que isso, não é?

Nota: 8,5/10