DICA DE FILME ("MARIGHELLA")

 Dica de Filme


Título: Marighella
Ano de lançamento: 2021
Direção: Wagner Moura


Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata


Em tempos normais, "Marighella" seria lançado com a mesma tranquilidade de um "O que é isso, Companheiro?", de um "Lamarca" ou de um "Batismo de Sangue". Ou seja, produções focadas na Ditadura Militar brasileira que, se não foram 100% historicamente precisos, serviram para fomentar importantes debates sobre o perigo de regimes autoritários, e do combate à censura e à tortura. 

Mas, não são vivemos tempos normais. 

O apreço pela população média à Ditadura Militar agora tem como símbolo o representante máximo da nação, que prega o extermínio de seus oponentes, e que sempre foi a favor de reescrever a História segundo a sua ideologia. São tempos difíceis para o país, portanto. E que transformam "Marighella" em uma produção desnecessariamente marginalizada e subversiva, quando deveria ser avaliada enquanto filme e recorte histórico romanceado. 

Porém, mesmo com percalços de lançamento aqui e acolá, e conseguindo driblar as dificuldades de lançamento e distribuição (sistematicamente boicotadas pelo atual governo), o filme está conseguindo ser assistido e analisado como se deve (mesmo com a ignorância que tomou conta do Brasil de uns anos pra cá). 

A questão é: "Marighella", enquanto filme, sustenta-se?




A resposta para essa pergunta é sim, apesar de ficar nítido, em vários momentos, que se trata de uma produção feita por um cineasta inexperiente. No caso, Wagner Moura, que, como ator, é ótimo, mas, como diretor, ainda precisa melhorar em muitos aspectos. 

Um dos problemas mais nítidos é a forma como ele posiciona a sua câmera. É verdade que estamos falando de um filme com muita ação em diversos momentos, porém, a câmera na mão em praticamente todas as cenas, às vezes, atrapalha, não tendo na prática muito propósito. Acaba fazendo falta um bom enquadramento em momentos cruciais da trama. 

Outro ponto negativo, sem dúvida, é algo que o cinema nacional como um todo ainda não aprendeu como dosar, que são os diálogos ultra expositivos. Talvez seja vício de nossas novelas televisivas, que usam desse artifício exaustivamente, mas, é algo que poderia ser contornado em filme. Fica claro que muitos diálogos foram escritos, o que acaba deixando algumas conversas um tanto quanto artificiais. 




Mesmo parecendo amador em certos momentos, como no caso de alguns posicionamentos de câmera e de alguns poucos diálogos ruins, o filme tem muitos destaques positivos também, como alguns rápidos planos-sequência, como a do trem, logo no início, bem como a trilha sonora, que acerta ao iniciar com "Banditismo por uma Questão de Classe", de Chico Science e Nação Zumbi. 

A progressão dos acontecimentos também é bastante competente, sem grandes atropelos, com a produção sustentando nosso interesse, apesar de ter mais de duas horas e meia de duração. Nesse sentido, a estrutura do roteiro é correta, e não compromete em nada. 

Outro ponto muito bom de "Marighella" são as atuações, especialmente, se esquecermos um pouco o problema dos diálogos expositivos. Sem dúvida, Seu Jorge é quem rouba a cena, imponente, vigoroso, naquele misto de alguém que precisa passar autoridade, mas que também expressa vulnerabilidade em alguns momentos (a cena do "encontro" com o filho dele é um ótimo exemplo). 

Já Bruno Gagliasso está ótimo como o delegado Lúcio. Talvez, um pouco "vilanesco demais", ficando a sensação de que poderia ter ficado uma caracterização melhor caso o roteiro tivesse se focado um pouco na vida particular do personagem, o que poderia tê-lo deixado ainda mais assustador. Contudo, Gagliasso convence bem, e não permite que a sua interpretação fique afetada. Pelo contrário.   

O restante do elenco se sai bem, com alguns pontos altos e baixos. Mas, na média, são competentes, apesar de ficar a impressão, muitas vezes (e novamente esse vício) de que estamos assistindo uma novela, e não um filme. 



O saldo geral é positivo. "Marighella", mesmo com alguns problemas, é um bom filme de estreia de um ator consagrado, e sustenta bem a sua premissa de mostrar de maneira mais íntima e pessoal um personagem histórico ainda tão incompreendido e controverso, e que suscita paixões extremas, algo que, em um país com um nível de educação melhor, seria impensável. 

Mas, estamos no Brasil, e "Marighella", o filme, acaba sofrendo com a ignorância generalizada de um governo que não aceita o diálogo e o debate, e que tem na arte uma inimiga atroz. Que esses tempos passem, portanto, e que voltemos num tempo em que um filme gere discussões saudáveis, e que (principalmente) ele consiga sem lançado, sem nenhuma forma de censura. 

E, pra não esquecer: DITADURA NUNCA MAIS!


 Nota: 7,5/10

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