DICA DE FILME ("CRUELLA")

 Dica de Filme


Título: Cruella
Ano de lançamento: 2021
Direção: 
Craig Gillespie


 Filme solo da vilã tinha tudo pra dar errado, mas, deu muito certo graças à consciência de seus realizadores em fazer algo diferenciado e contagiante


"Pra quê?" talvez seja a pergunta que muitos fazem quando um filme derivado de uma franquia de sucesso é realizado, seja um spin-off, sejam filmes-solos de certos protagonistas (heróis, personagens secundários ou até vilões). Nos últimos anos, inclusive, tivemos filmes que se arriscaram a humanizar vilões conhecidos da cultura pop, como "Malévola" e "Coringa". Agora, em 2021, chegou a vez de "Cruella", que conta a trajetória da icônica personagem de "101 Dálmatas". 

E, neste último caso, ressoou mais ainda a indagação: "Pra quê?"

Bem, na realidade, tudo é permitido, contando que seja bem feito. Levando esse "Pra quê?" ao pé da letra, também podemos questionar pra quê terem feito uma animação com 101 dálmatas perseguidos por uma vilã que quer retirar suas peles para fazer um casaco. Não faz tanto sentido assim, mas, fizeram o desenho. Por que, então, não fazer um filme que se foque na vida da vilã Cruella, desde a infância até a fase adulta? 

Pra nossa sorte, enquanto espectadores, o resultado saiu melhor do que muitos esperavam. 




Uma das coisas que poderiam ter feito o filme derrapar feio seria o seu início. Afinal, como começar a abordar uma personagem que, mesmo sendo relativamente conhecida, não tem o mesmo carisma de outros grandes vilões da cultura pop? Sabiamente, direção e roteiro optaram por começar mostrando Cruella desde a infância, passando por um momento trágico e chegando à fase adulta. 

Esses momentos iniciais são muito cativantes, a progressão de acontecimentos não desafia a nossa lógica, e, quando a personagem, já adulta, começa a entrar no mundo da moda (mesmo que pela porta dos fundos), já estamos investidos na história, e queremos ver até onde aquilo irá levar. Nesse primeiro ato, o filme já mostra o tom que irá adotar nas duas horas seguintes: câmera ágil, trilha sonora impecável (apesar de, às vezes, ser um pouco intrusiva), e personagens muito bem trabalhados. 

Também é um acerto do roteiro fazer a "real" Cruella aparecer pela primeira vez na tela, fazendo com que a gente se afeiçoe inicialmente por seu alter ego Estella. E mesmo quando a "protagonista" surge em tela, Estella não é completamente abandonada, fazendo-se aí um interessante contraponto entre as duas personalidades, mas, sem forçar demais a barra. Nem Estella é dondoca e passiva demais, e nem Cruella é tão vilã demais. 

Por sinal, ao contrário: mesmo que a protagonista do filme tenha, vez ou outra, atitudes reprováveis (em especial, no trato com seus companheiros de falcatruas), Cruella nunca é tratada de maneira simplista e unidimensional, fazendo até termos uma espécie de "estudo de personagem", guardadas as devidas proporções, claro. Ainda assim, é interessante ver como a situação não é tão preto no branco. 




Interessante notar, inclusive, que a única personagem tratada de maneira unidimensional e até de forma bem caricata na história seja justamente a Baronesa. Além de servir perfeitamente ao papel de antagonista, o jeito e as atitudes dela casam bem com o esnobismo inerente ao mundo da moda, o que faz o filme, por vezes, adotar até mesmo um tom de sátira em relação a essa universo. 

Partindo da premissa de elaborar melhor os personagens aqui, a surpresa fica por conta de Jasper e Horácio, que, ao contrário de serem os capangas descerebrados nas produções anteriores, aqui possuem personalidades fortes, com um sendo mais sério e inteligente, e o outro sendo mais bonachão e engraçado, mas, sem ser estúpido. Trata-se de uma ótima aquisição a uma história que visa justamente descontruir um pouco arquétipos, ao passo que reforça outros, porém, mais a título de sátira. 

As atuações em geral estão ótimas, mas, é óbvio que o destaque mesmo é para Emma Stone, que consegue conduzir a dualidade Estella/Cruella até os momentos finais do filme, fazendo ambas as personificações terem carisma. Os atores que fazem Jasper e Horácio (Joel Fry e Paul Walter Hauser) também se saem muito bem, fazendo uma dupla de vigarista divertida, mas, que não descamba para o exagero. Já Emma Thompson exagera na composição da Baronesa, mas, é totalmente justificável para o que se propunha a trama, e ficou ótima também. 

Como defeitos, talvez o filme tenha passado só um pouco do ponto na inserção de músicas nas cenas, e alguns momentos em que a trama se arrasta um pouco, em especial, após a primeira aparição de Cruelle, e já próximo do clímax. Um edição melhor, que cortasse uns 10 minutos de filme, teria deixado o resultado melhor, mais dinâmica e mais redondo. 




Com uma estética muito própria de videoclipe, mas, que não abdica de momentos mais introspectivos e humanos, "Cruella" é um interessante blockbuster, que diverte, ao mesmo tempo que subverte alguns conceitos, trazendo uma bem-vinda repaginada de uma personagem sem tanto destaque assim, mas, que traz à tona uma vilã bem mais carismática do que se supunha. O "Pra quê?", então, fica justificado, e "Cruella", enquanto filme, tem motivo pra existir. 


Nota: 8/10







Comentários