DICA DE FILME ("A.I. - Inteligência Artificial")

 Dica de Filme


Título: A.I. - Inteligência Artificial
Ano de lançamento: 2001
Direção: 
Steven Spielberg



Fábula cruel de Spielberg entra no século XX questionando o que é ser humano de verdade

Spielberg sempre foi um exímio contador de histórias. Das mais simples às mais complexas, das mais populares às mais indigestas. Mesmo que o seu nome, de alguma forma, ainda seja associado a filmes "infantis" ou "pipoca", certo mesmo é que ele é um grande diretor de narrativas, e que, com sua popularidade alcançar públicos diversos, falando de assuntos que talvez esse mesmo público não se interessasse de ver em outros filmes. 

Esse provavelmente é o caso de "A.I.", que mesmo tendo certas passagens pueris e que lembram produções mais infantis e/ou aventurescas, possui outras sequências bem pesadas, tanto na brutalidade como critica a forma de ser dos humanos, quanto na maneira como questiona valores morais e científicos. E isso, coincidentemente, bem início de um novo século, às vésperas dos atentados de 11 de setembro. Um filme com esse grau de reflexão, portanto, veio no momento certo. 




Inicialmente, o projeto seria comandado por Stanley Kubrick, logo após o término das filmagens de "De Olhos bem Fechados". Porém, o cineasta veio a falecer antes disso, tendo ficado a cargo de Spielberg a missão de dirigir esta fábula sombria sobre a busca por identidade. 

Interessante notar que, por influência ou não do espírito provocador de Kubrick, aqui temos um filme de Spielberg um pouco "fora da caixa". Seus filmes mais violentos e questionadores são justamente os dramas ditos mais "adultos" ("A Cor Púrpura", "A Lista de Schindler", "Amistad"). Não que as suas produções mais família também não tivessem boas reflexões ("Parque dos Dinossauros" que o diga), mas, com "A.I", Spielberg parece dar um passo a mais, fazendo algo bem poderoso. 

O primeiro ato do filme, apesar de algumas cenas mais voltadas para a ficção científica, é minimalista, atendo-se a diálogos e pequenas interações. A tentativa de adaptação do menininho andróide David a um casal cujo filho está congelado criogenicamente é muito bem conduzida, seja pelo texto, seja para direção, que consegue fluir a câmara para que fiquemos imersos naquela história. 




O filme muda de tom quando surge o personagem Gigolo Joe, um "amante cibernético" que cruza o caminho de David de maneira improvável, mas, que acaba tendo importância para a trama. É nesse momento que acontece talvez a sequência mais violenta e provocativa do longa, ocorrida no chamado Mercado de Peles, que só não é melhor, porque o seu desfecho é um tanto "forçado". 

Contudo, esse pequeno pormenor não tira o vigor do filme, que avança narrativamente até um terceiro ato bastante ousado e reflexivo, que fala sobre temas como consciência, memórias e amor. Amor, este, incondicional e que perpassa inalterado por anos, finalizando a história de forma melancólica, deixando certo amargor no ar. 

Spielberg, apesar de uma ou duas cenas mais exageradas e que poderiam ter sido limadas na edição, mostra porque (ainda) é um dos melhores diretores ainda vivos, ao lado de Scorsese. Seu domínio de câmera é absurdo, com enquadramentos que contam mais história do que diálogos expositivos. É de uma delicadeza ímpar. 

Ao mesmo tempo, o elenco está à vontade em seus papéis, seja um espalhafatoso Jude Law, seja a potência interpretativa que era Haley Joel Osment quando era criança. É muito graças a este último, inclusive, que nos envolvemos ainda mais na história, ficando ora tristes, ora revoltados com aquelas situações pelas quais o garotinho andróide passa. 




Não deixa de ser curioso como um dos diretores mais populares e "família" do cinemão contemporâneo tenha começado este século com um dos seus filmes mais diferentes e (por quê não?) crueis e provocativos. Ao abordar questões muito humanas sob a perspectiva de uma inteligência artificial (e até de outros seres vivos), Spielberg questiona a nossa própria relação com outros seres humanos. 

Em um mundo que viria a se tornar cada vez mais virtual e insensível, esse tipo de questionamento continua pertinente (talvez até mais do que há 20 anos trás). 


 Nota: 9/10

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