DICA DE FILME ("NOITE PASSADA EM SOHO")

 Dica de Filme


Título: Noite Passada em Soho
Ano de lançamento: 2021
Direção: Edgar Wtight



Com uma estética bem criativa, a trama do novo filme de Edgar Wright aborda temas dos mais diversos, como a romantização excessiva do passado

Edgar Wright é um cineasta que se preocupa bastante com a técnica em seus filmes. A grande diferença com relação a outros diretores atuais é que ele não usa essa técnica como uma muleta para justificar histórias ruins, e sim, como um artifício que esteja completamente a serviço da narrativa, não sendo, portanto, um mero adorno para a vaidade do seu realizador.

Em "Baby Driver" vemos essa preocupação, porém, é com "Última Noite em Soho" (o primeiro terror de sua carreira, diga-se), que o diretor consegue dar um passo além. Pra isso, utiliza-se de uma ambientação muito próxima do gênero italiano do giallo, com uma estética que lembra muito trabalhos como "Suspiria". Fora o fato que a trama tem um "quê" de estranho que lembra David Lynch. 




Falando assim, o filme pode parecer uma cópia de vários estilos colados um no outro do que uma obra propriamente original. Não é bem assim. As referência não estão ali como um simples exercício estético. Ao contrário: são usadas como possibilidade narrativa. Até as cenas mais "viajadas" estão contando uma história importante e fazendo a trama caminhar. 

Trama essa que consegue versar sobre alguns assuntos bem complicados. Um deles é a romantização do passado (ou o que não se viveu ou um distorcido nas memórias). Tudo bem que esse não é um tema novo ("Meia-Noite em Paris" é exemplo disso), mas, esse elemento é tratado com tanta criatividade no filme que isso dá muitas possibilidades à história, mesclando terror e drama de forma concisa. 

A cena inicial, como a personagem da Thomasin McKenzie (Eloise) dançando ao som de uma música dos anos 60, com um vestido feito por ela, e com o seu quarto repleto de referências dessa época (pôsteres de filmes e artistas musicais), já diz muito em pouco tempo. Eloise, aspirante a estilista, sonha com esse período como uma década mágica, com muito glamour e romantismo. 

Em contraste a esse tempo perfeito, o cotidiano de Eloise é frio e opressor quando ela tem de lidar com pessoas da sua idade. Esses primeiros momentos são muito bons para construir a personalidade da personagem na nossa cabeça antes que a trama tome rumos realmente estranhas. Mesmo que haja alguns momentos clichês aqui e ali, boa parte dos acontecimentos são bem encaixados, e nos envolvemos cada vez mais na história. 




É interessante notar que, mesmo com esses lugares comuns (o bullying que ela sofre dos colegas ou a investigação à parte feita por Eloise próxima do clímax), esses elementos não soam tão forçados quanto poderiam ser. Mérito da direção e do roteiro, que fazem a história tomar rumos um tanto imprevisíveis, usando de artifícios muito inventivos. 

O filme também abarca um assunto complicado, que é o abuso (seja ele físico ou psicológico). Mas, ao contrário do recente "Bela Vingança", que parecia estar bem deslocado da realidade, esvaziando a crítica que poderia fazer, em "Noite Passada em Soho", esse aspecto é retratado de forma bem mais contundente (e assustadora). Os abusadores são retratados de forma mais verossímil (mesmo que simbolicamente) e o momento da catarse é mais interessante. 

Obviamente que tais temas não são tratados com muita complexidade. Ainda assim, a trama consegue explorar bem os temas que se propõe a falar, gerando algumas reflexões interessantes. E, sem contar que temos aqui um filme assustador, imersivo em sua estética vibrante, seja com cores vivas pulsando a todo o momento, seja com o uso excelente da música (algo que Wright sabe trabalhar muito bem). 




Em relação às atuações, a dupla de protagonistas está muito bem, especialmente Anya Taylor‑Joy, hipnótica em tela. Thomasin McKenzie também mostra desenvoltura, apesar de exagerar um pouco, de vez em quando, nos trejeitos de uma personagem. Matt Smith consegue passar a repugnância de seu personagem, enquanto que os veteranos Diana Rigg e Terence Stamp passam muita categoria em cena. 

"Noite Passada em Soho" presta uma ótima reverência a alguns estilos do cinema, como o giallo italiano, mas, sem ficar refém destes. Possui luz própria, funcionando como drama e terror na medida certa, e ainda versando com temas interessantes, ao mesmo tempo que complicados, proporcionando momentos catárticos, seja pela beleza plástica das cenas, seja pelo conteúdo que aborda de maneira contundente e, principalmente, criativa. 



 Nota: 8,5/10


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