DICA DE FILME ("Nove Dias")

Dica de Filme


Título: Nove Dias
Ano de lançamento: 2020
Direção: Edson Oda



Criativo, poético e bastante reflexivo, novo trabalho do brasileiro Edson Oda é um dos filmes mais bonitos lançados nesses últimos tempos 

No programa "Provocações", o saudoso Antônio Abujamra questionava aos seus entrevistos: "O que é a vida?". Como era de se esperar, as respostas eram as mais variadas possíveis. Ou seja, não tinha necessariamente uma mais certa do que a outra. E esse questionamento filosófico é uma das bases do belíssimo "Nove Dias", que parte de uma premissa fantasiosa para tecer todo tipo de comentário a respeito da vida do ser humano, incluindo suas escolhas, emoções, e por aí vai. 

O melhor é que a proposta do longa nunca esbarra em algo "cabeçudo" ou difícil demais. Há vários momentos de reflexão aqui, mas, nenhum é aleatório. Nenhum é banal. Todas as situações estão à serviço da trama, e falam muito a respeito dos seus personagens, implícita e explicitamente. O filme é expositivo quando tem quer ser, e é sutil quando a situação necessita. Em suma, não subestima o espectador, construindo a sua história aos poucos, bem devagar. 




Mas, afinal, do que se trata a trama? Bem, sem dar grandes spoilers, digamos que o filme é uma fábula sobre seres que escolhem pessoas que irão ou não viver através de entrevistas. A partir daí, a pessoa precisa se mostrar apta diante de uma série de testes. O protagonista daqui é Will, alguém que, inclusive, já viveu, e que hoje trabalha como entrevistador nesse mundo. 

Muita coisa não é explicada aqui. Quem são essas "pré-almas" (ou "pré-pessoas")? De onde elas veem? E que espaço exatamente é aquele onde Will trabalha? E, mesmo que essas supostas pontas soltas, aos poucos, vamos embarcando naquela história, por mais inusitada que seja. Isso porque a direção e o roteiro de Oda entregam tudo aos poucos para o espectador. 

Com atenção e paciência, vamos entendendo um pouco mais do mecanismo daquele mundo e quem é (e foi) Will. Ao mesmo tempo, a história não esquece outros personagens importantes, como Kyo, colega de trabalho de Will, e Emma, uma nova candidata a viver, e que vai despertando certas emoções no protagonista, confrontando-o com algumas verdades bem incômodas. A falta de controle absoluto sobre tudo é uma dessas verdades, por exemplo.




Mesmo que a trama, em si, seja fantasiosa, ela aborda temas universais de uma maneira muito tocante e sem descambar para o piegas. O ritmo lento, inclusive, ajuda muito, pois, permite uma construções mais orgânica das cenas e daqueles personagens. E, quando menos se espera, a emoção vem em uma ou outra sequência, mas, de forma natural. 

Vários momentos aqui são muito bem construídos, como a conversa já no final entre Will, Kyo, Emma e Kane (este último, também um "aspirante à vida"). Em um determinado trecho, Kane precisava dizer algo nojento (relato, esse, que faria parte do teste). Então, ele descreve uma situação que ele soube, na "vida real", onde duas garotinhas foram mortas. Nisso, Emma questiona: "Você pegou uma exceção de algo terrível. Por que você se foca só nisso?". 

Mesmo que essa sequência, por si, já seja muito boa, ela ainda se conecta de maneira muito bonita no final do final, que tem uma das sequências mais genuinamente emocionantes do cinema de uns tempos pra cá. É quando o filme fecha o seu ciclo, encerando de maneira muito bem amarrada a jornada de Will, junto com seus dilemas. E, talvez desde "A Árvore da Vida" que um filme não trazia uma reflexão tão poderosa assim. 



Pra alcançar esse alto nível nas discussões que se propôs a fazer, o diretor Edson Oda teve ao seus dispor atores muito bem sintonizados com seus papeis. Winston Duke está excelente como Will, tanto nos momentos mais intimistas, quanto nas situações em que precisa mostrar uma carga dramática maior (sua última sequência é soberba). 

Zazie Beetz entrega uma Emma com ótimos questionamentos, além de passar uma emoção muito autêntica. Benedict Wong funciona muito bem como Kyo, enquanto que Bill Skarsgård não são tão exigidos, mas, entregam performances competentes. 

Realizando um trabalho primoroso de direção e roteiro, Edson Oda conseguiu construir uma história que, mesmo sendo irreal na premissa, dialoga demais com o mundo e com as pessoas em qualquer momento de suas vidas, especialmente, a respeito de conceitos como controle e livre arbítrio. E trazer isso de maneira nem um pouco pedante para o público já é um grande mérito. 

Claro, ainda assim, não é um filme que todos apreciarão de maneira completa, já que ele pede para que o espectador embarque de verdade naquela trama um pouco estranha, e que pincele as mensagens nos mínimos detalhes da história. Porém, quem se propuser a seguir nessa viagem de descobertas e aprendizados, terá visto o melhor filme de 2021. 


Nota: 10/10




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